O velho, aos noventa e dois anos, fazia planos: visitar o neto nos Estados Unidos, talvez arrumar uma companheira, com quem tivesse prazer em conhecer novos lugares e rever os antigos. Outro, já centenário, entusiasmado com a perspectiva de plantar butiazeiros no sítio, pesquisava sobre o assunto, na sua vasta biblioteca.
“Velhos gagás” _ pensará alguém, ouvindo tais histórias. No entanto, eram extremamente lúcidos os dois sonhadores, sábios ao ponto de entenderem que estariam mortos, quando deixassem de se estabelecer metas e inventar desafios.
A chegada de um novo ano coloca cada um diante das suas expectativas.
Alguém perguntou: _ E quais são os teus projetos para o próximo ano? _ Após um ligeiro instante de dúvida, comecei a elaborar a minha longa lista. Fui logo interrompida:
_ Nada disso. Apenas dois ou três, para teres condições de realizá-los.
“Projetos viáveis, então”, disse para mim mesma, já de volta à realidade. Assim, de saída, descartei alguns planos mirabolantes, como obras e reformas na casa, assunto cuja simples menção já deu a sensação de sentir entre os dentes o pó das paredes. Melhor cada um se ater ao que pode realizar por conta própria; em geral, todos têm seus próprios sonhos. Esperar que os outros coloquem os nossos como prioridade é semear esperança para colher frustrações _ e tal colheita não está prevista para 2007.
É óbvio que este é um exercício pessoal. Contudo, embora se diga que é importante pensar grande, as pequenas coisas do dia-a-dia são as que causam maior amolação. Se for o caso, o melhor é começar por elas. Após resolver o problema da porta empenada do guarda-roupa, da desarrumação da escrivaninha, da bagunça na garagem, da calha entupida, é bem possível que a gente se sinta capaz de enfrentar situações mais complexas. E se parece chato sempre lembrar dessas coisas é justamente pelo fato de continuarem incomodando, por mal-resolvidas.
Todos têm desejos e premências. Muitos têm metas na área profissional. O dono da padaria talvez pense num projeto de ampliação, passando a servir café da manhã, com cadeiras e mesas de madeira ao ar livre. A dona da boutique programa desfiles de moda, na troca das estações. O professor tentará tornar mais dinâmicas as suas aulas, na esperança de ver desaparecer aquele ar de enfado no rosto dos adolescentes.
Outros almejarão aventuras, sonharão com escaladas, paraquedismo, um barco a vela para navegar na Lagoa dos Patos ou uma lancha a motor para percorrer o rio São Gonçalo, penetrar no Piratini e ir até a ponte da cidade de Pedro Osório, feito só permitido em grandes cheias, sob risco de encalhar.
Alguém perguntará pela programada travessia de Porto Alegre a São José do Norte, através da polêmica Estrada do Inferno, quando enfim sairá. “Rápido, antes que o asfalto seja completado e deixe de ser aventura”, _ talvez acrescente, só pra implicar, sem muita esperança em qualquer das situações: que o asfalto termine rápido ou que a viagem se concretize.
Mas cada amanhecer é um recomeço, com a possibilidade de mudança e realização. Por isso, aquela nossa lista extensa não precisa ser realizada de um fôlego só. O importante é ter um propósito para cada despertar, sem medo de parecer gagá ou fora de órbita, por se permitir ousar. O importante é se estabelecer metas e oferecer desafios.
Um comentário:
Querida Marta!
Coisa boa uma casa repleta de coisas por resolver!Mudar alguns móveis, comprar outros, modificar a posição de alguns quadros!Qualquer tarefa, mas tudo a seu tempo, sem pressa, para que possa dar prazer... Assim foi meu fim de ano e...Adorei! já me livrei de alguns pequenos males, me ocupando com tarefas cotidianas.
Parar, nunca, renovar, sempre!!!
Beijos
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