Certo dia, o maestro Herbert Karajan caminhava rápido por uma rua, enquanto outro homem caminhava com a mesma pressa pela rua perpendicular. Na esquina, ocorreu a forte colisão entre os dois. Após o choque e a surpresa, o segundo homem exclamou, indignado:
_ Imbecil!
Prontamente, o maestro tirou o chapéu e inclinou o corpo, numa saudação gentil:
_ Karajan.
No livro Pergunte a Platão, Lou Marinoff conta essa anedota, para ilustrar o que chama de “auto-defesa moral” ou “judô social”. É uma forma bem-humorada e inteligente de reverter a situação, ao ser ofendido. Em vez de revidar com desaforos ou partindo para a briga, o maestro devolveu a agressão ao agressor, sem ser atingido, ainda colocando o outro em ridículo.
Algumas pessoas estão sempre em guarda, desconfiadas, à espera de serem desconsideradas. Outras, ao contrário, riem com os outros de si mesmas. Qual a razão para os diferentes comportamentos e reações?
Segundo o filósofo, a confusão entre ofensa e dano é a responsável por algumas reações desnecessariamente sensíveis. Quando alguém sofre algum ferimento ou prejuízo causado por outrem, é um dano. Esse pode ser intencional ou não, causar efeitos colaterais ou não, mas a sua característica principal é acontecer independente da vontade do atingido.
A ofensa, ao contrário, é oferecida a alguém que tem o poder de decidir se vai aceitá-la ou não. Pode-se sofrer dano contra a vontade, mas para ser ofendido é preciso que se consinta.
Também pode ser acrescentada a ofensa ao dano ou vice-versa, mas isso é outra história.
O filósofo alerta para a diferença entre ofensa e dano, preocupado pela onda do “politicamente correto”, que começou nos Estados Unidos e logo se disseminou por outros países, inclusive o Brasil. Levada ao exagero, fez com que algumas pessoas, julgando-se atingidas por qualquer frase dita por outrem, recorressem aos tribunais, sem que na verdade houvessem sofrido dano algum. Simplesmente consideraram a ofensa oferecida como dano recebido.
Muitas vezes, inclusive, consideram-se atingidas sem que sequer tenha existido intenção de ofensa. De repente, as pessoas precisam tomar cuidado ao se referir à cor da pele de alguém, por exemplo. Loira ou loiro é permitido falar, mas referir-se a alguém como negro é considerado ofensivo. Dizer que a “situação está preta” também não é adequado. Antes, “minha negrinha”, “meu negrinho” eram consideradas expressões carinhosas; agora, é preciso ver a quem se dirige o tratamento, para não ser acusado de preconceituoso.
Aliás, já que essa crônica começou com uma anedota, pode ser ilustrada com outra, que bem exemplifica o ridículo a que a situação alcançou. Essa ocorreu com uma amiga, quando tomou ao seu serviço um funcionário afrodescendente, que afirmou querer ser chamado “Crioulo”. Ela explicou que não podia chamá-lo assim, seria mal-interpretada, desejava chamá-lo pelo seu próprio nome. Ele contrapôs que não adiantava, não ia atender, só atendia por Crioulo, nem ia se dar conta de que era com ele, se fosse chamado pelo nome verdadeiro. Criado o impasse, ela concordou, mas contou que ficava em pânico, quando em público, com receio de se distrair, falar “Crioulo” e alguém ao lado se ofender.
Outro exemplo muito em voga é a difundida idéia de “assédio sexual”. Se uma chefia pressionar ou prejudicar um subalterno, para obter favores sexuais, realmente está cometendo um dano. Mas, com a moda do “politicamente correto”, a suscetibilidade das pessoas foi levada ao extremo. Uma “cantada” ou um galanteio, que mulheres inteligentes deveriam saber driblar com graça, nos Estados Unidos já levaram muita gente aos tribunais.
“Se a ofensa é oferecida, mas não aceita, não há ofensa nem dano”, conclui Marinoff. Por isso, aconselha que se comece, desde cedo, a desenvolver nas crianças o senso interno do seu próprio valor, para que aprendam a não se sentir ofendidas com palavras. Ensinar-lhes que sofrerão todo tipo de crueldade social e rejeição, na escola, no parque, em todo lugar, mas isso não diminuirá o seu verdadeiro valor, desde que não desçam ao nível do agressor, revidando da mesma forma.
Como o mundo se torna cada vez mais agressivo e cruel _ com grande carga de raiva prestes a explodir _ precisamos fortalecer as autodefesas morais, para que nos tornemos capazes de agüentar certo grau de ofensas e mal-estar, sem perder a esportiva. Como têm feito as loiras, também como exemplo, obrigadas a ouvir piadinhas repetidas sobre a sua burrice.
Mas, como as ofensas continuadas podem ser incorporadas, passando-se a acreditar na sua veracidade, manda o bom senso que procuremos nos afastar das pessoas agressivas, antes que realmente causem dano. Mesmo porque, com tanta gente agradável por aí, podemos escolher melhor as nossas companhias.
3 comentários:
Marta
Meu início corresponde ao término de teu escrito. Após digo que dificilmente me ofendo, pois vai depender demais de quem formula a ofensa. Quando tentam me tirar do sério adoro contornar a situação fazendo que não entendi, e então a pessoa se descontrola e tudo acaba em pizza.
Beijos da Ruthe
Olá. Eu diria "...piadinhas repetidas sobre sua suposta burrice." Sds.
Bem lembrado, Anônimo, mas é fácil entender essa agressão disfarçada de brincadeira, constantemente feita com as loiras: como chamam mais atenção, em geral, há quem se ressinta e tente desmerecê-las, para ter, pelo menos, o gostinho de imaginá-las vazias de idéias. Bonitas e inteligentes seria demais para certas cabecinhas...Obrigada por entrar no blog e pelo comentário muito pertinente, era isso o que eu pretendia dizer. Valeu.
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