10 de fev. de 2007

Sobre a velhice

Há muito, muito tempo, pessoas em idade adiantada eram chamadas anciãs. Os cabelo brancos, a pele encarquilhada e as longas barbas encanecidas conferiam um ar de respeitabilidade, garantia de sabedoria, obtida através das experiências de vida. Mas isso foi há muito tempo. Depois, tais pessoas passaram a ser denominadas “velhas”, e foi quando começou o tom pejorativo na maneira como os outros se referiam a elas. Assim como se já não fosse tão importante o que ainda tinham a dizer. Até podiam ser ouvidas, mas por grande deferência dos mais jovens, que esses, sim, tinham muito a fazer e pouco tempo a perder com coisas de somenos importância. Aliás, velhos cautelosos se cuidavam para não falar “somenos”, na certeza de despertar um risinho de escárnio, antes da precipitada corrida ao dicionário.

Sentindo-se desprestigiadas, tais pessoas começaram a reavaliar seus conceitos. Deram-se conta de que, ao atingir aos sessenta anos, na melhor das hipóteses teriam vivido dois terços da vida, por isso precisavam se apressar, que os ponteiros do relógio andavam rápido demais.

O primeiro passo foi a mudança de hábitos. As vovós largaram as agulhas de tricô, trocaram os óculos de grau na ponta do nariz pelos óculos de sombra, entregaram a cozinha aos homens (só quando estivessem dispostos) e se foram para as ruas ensolaradas. O passo seguinte foi a proibição de serem chamadas velhas; eram os da “terceira idade”, ora.

Eufóricas pela nova condição, as mulheres fizeram e repetiram as plásticas, pintaram os cabelos _ nunca se viu tanta gente loira de meia-idade _ entraram em cursos de atualização, viram que havia muito a curtir. Os homens, por seu turno, não ficaram atrás: vaidosos, ergueram as pálpebras caídas, passaram a usar shampoo, condicionador e cremes hidratantes, os mais ousados arriscaram tonalizante nos cabelos; começaram a freqüentar academias de ginástica _ e não é que gostaram? Melhor que ficar em casa, assistindo à TV, de pijama.

Renovados, homens e mulheres voltaram a freqüentar os locais de dança e se aventuraram em divertidas excursões turísticas. Pronto, concluíram que estavam na “melhor idade”.

Mas, afinal, o que é ser velho? Ou “quem” é velho?

No dicionário, velho corresponde a gasto, usado. Tratando-se de pessoas, independe um pouco da idade. Há jovens com espírito velho, cheios de preconceitos, carcomidos de intolerância. Há velhos joviais, flexíveis, tolerantes, abertos a novas experiências e aventuras.

Acima de sessenta anos, a pessoa é considerada merecedora de atendimento prioritário, o que pode ser muito bom, exceto nos estabelecimentos bancários, onde essa fila costuma ser a mais extensa. Por outro lado, graças a essa circunstância, pessoas antes discriminadas pela idade puderam voltar ao mercado de trabalho, exercendo funções de office-boy.

Considera-se velho aquele de quem não se espera nada novo, pela falta de interesse em aprender qualquer coisa; a conversa é repetitiva, as lembranças e os “causos” exaustivamente conhecidos. Em geral, preocupa-se muito com a saúde, com o que tem para o almoço, comenta que o intestino hoje funcionou bem, perdeu o sono às quatro da manhã (esquece que dormitou várias vezes ao dia).

A velhice não acontece de um dia para o outro, salvo raras exceções. Ela desce de modo quase imperceptível e se acomoda como a mantilha de gaze atirada ao acaso. De repente, o filho se dá conta: “Papai envelheceu”. O velho, contudo, demora a se perceber como tal; choca-se antes com a velhice detectada nos amigos. “O fulano está ficando velho” _ comenta, pesaroso, quando o outro repete a história conhecida.

Há casos de reversão do processo: de repente, parece que a pessoa rejuvenesceu. O estopim pode ser um novo amor, uma mudança no guarda-roupa, o corte do cabelo, uma viagem ou a decisão de voltar a estudar. Qualquer fato capaz de proporcionar novo ânimo.

Um dia, cai a ficha. Olha-se no espelho e compreende: não há como fugir, chegou a sua vez.

Novamente precisa revisar os conceitos, fazer as escolhas certas. Na velhice saudável, a cadeira de balanço é opção ocasional. É possível ser produtivo, participativo, atuante. Velhos egoístas, avarentos, mal-humorados são descartados do convívio social; velhos joviais e bem-informados têm a presença requisitada.

O velho lúcido sabe que não há nada errado com a velhice. Ao contrário, é uma benção poder colher os frutos do que foi semeado. Sabe, também, que a vida sofre constantes mutações e é preciso aceitar as mudanças. Contudo, precisa se manter alerta para não perder a sua identidade, a independência e o domínio sobre o seu território. O velho, como qualquer ser humano, só é respeitado quando se faz respeitar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Marta!

Acredito que chegar a ser velho, ancião, terceira idade,é uma inestimável bênção, porque muitas pessoas nem chegam lá!
A aparência é importante, mas o que realmente possui valor é o que temos a oferecer de dentro para fora.
As idades estão muito definidas pelos homens, mas sinto que é mais um estado de espírito!
Pretendo ter, e peço à DEUS que me ajude a conseguir, um estado de espírito sempre jovem.
Beijos

Anônimo disse...

Marta querida, tu e Ruthe, em seu comentário já disseram tudo. Realmente, a nossa cabeça não envelhece quando somos otimistas. Sinto muito forte este problema, pois constantemente faço planos e não os realizo simplesmente por estar velha demais, coisa em que nunca penso e faço força para não me interessar. Parece-me sempre estar nos 30 ou 40 anos e derepente, sou fragrada de que já estou com 87. Ora que bobagem, eu penso e já saio para novo sonho.
Apezar deste entusiasmo todo, sou forçada a ter bem presente uma grande verdade: " O segredo de viver bem é sermos humildes, coisa bem difícil, mas muito necessária para conseguirmos resistir". Beijos, Suely

Sergio Grigoletto disse...

Marta!

Você tratou com propriedade das velhices (corpo e espírito). Como nem tudo é para todos, penso que saber envelhecer não é também.
Sorte então, daqueles que sabem. E triste é ver aqueles que não sabem.