11 de mar. de 2007

Para quê tanta pressa?

- Para quê tanta pressa de ir de um lugar para o outro? Nada vai sair do lugar – diziam os cidadãos de Porto Alegre, quando viam os primeiros hidroaviões levantando vôo sobre as águas do Guaíba. Era o ano de 1928 e uns poucos pioneiros começavam a acalentar sonhos ousados de transporte aéreo, tanto de pessoas como do correio. Bondes trepidavam sobre os trilhos no calçamento irregular, abafando o apito do afiador de facas, enquanto homens trajando terno, colete e chapéu apoiavam-se nas bengalas, distraídos com o vai-e-vem das senhoras em seus vestidos justos, as saias abaixo dos joelhos, na cabeça elegantes chapéus.

A Viação Aérea Rio-Grandense, VARIG, dava os primeiros passos, pagando o preço por seu pioneirismo. Além das dificuldades financeiras e operacionais, precisava vencer a resistência e a incredulidade das pessoas. O transporte de passageiros por via aérea era considerado temeridade, exceto por homens que se haviam familiarizado com os aviões durante a guerra, como ocorreu com o fundador da empresa, Otto Ernst Meyer, entre 1915 e 1919.

Por ser uma atividade desconhecida no Brasil, Meyer teve que buscar na Europa conhecimentos sobre sistemas de administração, segurança, meteorologia, comunicação, despachos em terra e sobre a água; também precisou contratar técnicos estrangeiros, bem como pilotos e mecânicos de bordo e de terra. Tudo isso “para oferecer no Brasil tráfego aéreo seguro e regular, com pontualidade e economia”.

Os hidro-aviões Atlântico e Gaúcho decolavam de um hangar na Ilha dos Marinheiros. O primeiro tinha oito assentos para passageiros e o segundo, seis.

Os passageiros precisavam pegar uma lancha para chegar até eles, junto com os pacotes de vinte exemplares dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias que iam para as cidades de Rio Grande e Pelotas. Os leitores começavam a se acostumar com as “notícias quentinhas”. O mesmo alvoroço ocorria em Porto Alegre, quando a empresa parceira, Condor, chegava com os jornais do dia do Rio e de São Paulo. Até então, dependiam apenas dos trens ou navios, que demoravam seis dias para chegar ao sul.

Quando estacionado, o avião ficava amarrado a uma bóia. Se o dia estivesse sereno, a lancha precisava sair à frente, em alta velocidade, para as “ondinhas” auxiliarem na decolagem.

Antes de embarcar, os passageiros eram pesados, e quem pesasse mais que 75 quilos, incluindo a bagagem, pagava o excesso de peso correspondente. Um passageiro com 130 quilos pagava quase o dobro da passagem, mas criança até três anos, no colo, pagava 10% do preço.
Conforme entravam no avião, pela porta no teto, os passageiros recebiam pacotinhos com algodão para colocar nos ouvidos, pois a barulheira era enorme. Os assentos eram de vime, por causa do peso, e o assento sanitário no banheiro era um urinol. Os pilotos, vestidos com macacões e usando capacetes de couro e óculos de proteção, ficavam numa cabine aberta, expostos à intempérie, protegidos por reduzidos pára-brisas. Mas era uma glória viajar de avião, façanha com direito a ser comentada nas crônicas sociais da época.

A primeira viagem experimental aérea da VARIG foi entre Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, em fevereiro de 1927, seguindo o traçado da Lagoa dos Patos. A Linha da Lagoa, como foi batizada, oferecia excelentes condições de segurança, caso um pouso de emergência se fizesse necessário.

O primeiro vôo oficial da VARIG, em junho de 1927, levou duas horas até Pelotas, mais 20 minutos até Rio Grande, cruzando a Lagoa dos Patos na altitude entre 20 e 50 metros. Somente depois foi criada a linha para o Rio de Janeiro, com três vôos semanais, a mesma regularidade da Linha A, para Pelotas e Rio Grande.

Quase cem anos depois, aviões se cruzam e se chocam nos céus do Brasil, enquanto homens e mulheres vivem o drama da incerteza, da insegurança, do terrorismo, das horas de espera nos aeroportos, dos cancelamentos, da falta de consideração. Passageiros e usuários tornam-se reféns de interesses conflitantes, seu bem-estar e segurança à mercê do oportunismo e da inconseqüência de uns poucos.

Nesse momento, foi reconfortante encontrar “Na esteira do Irma”, o livro de Geraldo Linck, onde conheci a história protagonizada por Otto Meyer e seu sucessor, Ruben Berta, formado nos mesmos princípios e idealismo. Leitura recomendada para todos os necessitados de uma dosagem forte de pioneirismo e espírito empreendedor.

2 comentários:

Blog do Simeão disse...

Quem foi piloto dá mais valor para aqueles antigos pioneiros, como o "Condor" da Lufthansa, que iniciou a Varig. Vejam em http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0058c.htm as fotos da vinda desde Santos para Porto Alegre.
Abs Simeão

Anônimo disse...

Marta!
Acho que a PRESSA tomou conta do mundo- é correria para tudo!
Quando num passeio, quase ningém aproveita a viagem, só interessa a chegada no destino escolhido, perdendo, na maioria das vezes, lindas paisagens.
Uma pena!

Beijos da Ruthe