Na manhã fria do outono gaúcho, o homem, sentado na poltrona da sala, em sua casa, tomava o chimarrão, lendo o jornal do dia. Por um instante, desviou o olhar das atraentes labaredas do fogo na lareira e, através dos vidros da janela, olhou a rua deserta. Nisso, a sua atração foi despertada pela passagem de um cachorro em franca correria. Pensou que era o seu que havia escapado e correu à janela, para ver melhor. Mas o que viu foi uma cena inusitada: um veado a correr pela rua central da cidade de Pedro Osório, perseguido por um cão desconhecido.
Em sentido contrário, vinham dois homens caminhando.
_ Segurem o cachorro! _ gritou o homem à janela, meio corpo para fora, tomando o partido do veado e desejando que escapasse ileso à aventura. Mas, embora os dois atônitos cidadãos não esboçassem qualquer reação, o veado passou por eles, em disparada, e logo foi perdido de vista. Vendo que a corrida estava perdida, o cachorro parou de repente, deu meia-volta e voltou a trote, com a naturalidade de quem não houvesse vivido uma grande aventura.
_ Decerto foi a cheia do rio Piratini que desalojou o veado, retirando-o do seu habitat natural_ ponderou o homem, voltando à leitura do jornal.
É comum animais silvestres invadirem as cidades, quando sobem as águas dos rios, fazendo com que percam seu referencial, mas caça ao veado, em plena rua principal, ele jamais havia visto. Homem do campo, contudo, já presenciou bem mais do que teria desejado.
As pessoas da cidade não têm muitas oportunidades de conviver e apreciar os animais, exceto gatos e cães, esses cada vez mais adotados pelos humanos, carentes de outras afeições.
No campo, a convivência é natural. À noite, nas estradas no interior das fazendas, os faróis do automóvel iluminam tatus, raposas, zorrilhos, gatos do mato, corujas de olhos brilhantes. De vez em quando, vê-se algum animal estranho à região, cuja identificação se torna assunto na conversa após o jantar.
Pelas manhãs, preás cruzam o caminho, ligeirinhas; perdizes surgem do nada; lagartos fogem, agitando a cauda; lebres disparam em ziguezague, embrenhando-se no azevém, para fugir ao assédio dos cães; famílias de capivaras correm e mergulham nas águas da barragem, ao ouvirem qualquer barulho diferente; em algumas regiões, javalis somem no meio do milharal, fazendo estragos; emas parecem alçar vôo, quando assustadas com o ruído dos tratores.
À beira d’água, os flamingos se perfilam, garbosos, como pedindo elogios à sua elegância; nos moirões dos aramados, os caranchos espreitam os cordeiros recém-nascidos. O quero-quero, guardião dos pampas, dá o grito de alerta, à aproximação do homem. Protege o ninho onde os ovos ou os filhotes se escondem, mantendo-se à distância, mas volta em vôo rasante, agressivo, quando percebe que as crianças acabam de descobri-lo. E essas retrocedem, intimidadas, aprendendo a lição de respeito à propriedade alheia.
O homem do campo convive com a natureza, respeita-a, conhece os seus ciclos, aceita seus diferentes humores. Preserva a terra e vive em harmonia com os outros animais que nela habitam. O homem do campo só não entende seu semelhante, o bicho-homem.
2 comentários:
Belíssimo Marta!
Coisa de transportar para o lugar.
Marta!
Adorei demais este artigo, mas senti também enorme tristeza.
A natureza nos presenteia com tamanha beleza e o homem põe tudo a perder!
O que mais se pode fazer para que ele force a razão?
Beijos da Ruthe
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