28 de out. de 2007

Ocasiões especiais

Na casa da minha infância, havia um pé de “dama da noite”, cujo perfume acompanhava quem passasse na calçada. O arbusto perfumado ficava junto ao muro do vizinho. A localização não permitia que o perfume chegasse ao interior da residência, por isso ficava sempre um gosto de “quero mais”.

Quando me mudei para uma casa com jardim, tive a boa surpresa de lá encontrar um exuberante pé de “dama da noite”, plantado também como agrado aos passantes. Por algum tempo, extasiei-me com o perfume que entrava pelas narinas e inebriava os sentidos, cada vez que passava em frente ao arbusto. Certo dia, resolvi romper com o paradigma e plantei o meu próprio pé de “dama da noite”, na localização que julguei acertada: bem em frente à janela do quarto de dormir.

Nas noites de verão, quando a janela fica aberta, o perfume invade a casa, despertando lembranças de outros verões. A brisa suave faz com que ele ora se espalhe, ora se retraia, sem cansar o olfato.

Decerto era costume, naquela época, plantar a “dama da noite” junto à calçada, como gentileza aos que passavam na rua. Como também era usual, em muitas casas, a “sala de visitas” utilizada só em ocasiões especiais, enquanto a família passava o ano espremida na “sala de estar”.

Da mesma forma, as donas de casa reservavam as louças e os talheres mais bonitos para as tais ocasiões especiais, pois os objetos eram programados para durarem toda a vida e ainda ficarem para a posteridade.

Mais estranho era o costume de algumas senhoras: reservar as camisolas, chambres e roupas íntimas mais bonitas “para quando adoecessem”. Pelo medo de serem pegas de surpresa por alguma doença que as prendesse à cama, onde com certeza receberiam as visitas das amigas, guardavam as peças envoltas em papel de seda azul e no dia-a-dia repetiam as roupas insossas, sem se darem conta de que prestigiavam as prováveis visitas e desprestigiavam o marido e a si mesmas.

É provável que essas maneiras de agir fossem resquícios das dificuldades vividas pelos ancestrais imigrantes, conscientes da necessidade de poupar cada centavo para garantir a segurança futura. Ou quem sabe conseqüência dos ensinamentos religiosos, o prazer sempre ligado à culpa. Condicionadas, mesmo pessoas em boas condições financeiras abdicavam do que poderia lhes proporcionar alegria. Para muitos, a opinião alheia pesava mais que a sua própria.

Aos poucos, mudanças começaram a acontecer. Com a diminuição dos espaços, desapareceram as “salas de visitas”; lançadas ao mercado de trabalho, as mulheres passaram a se enfeitar também no dia-a-dia; as casas, por sua vez, se transformaram em centros de lazer. Muito em razão da segurança, os jardins trocaram a localização e passaram a ser construídos de preferência nas áreas internas, apenas para prazer dos proprietários e seus convidados.

De repente, algumas pessoas se descobriram merecedoras de coisas boas e bonitas. Muitas, contudo, ainda se guardam para um momento especial. Preocupam-se em demasia com a opinião alheia, vivem de forma a “parecer bem” aos outros, mais interessadas em agradar aos estranhos que a si mesmas e aos próximos. Nessa ânsia de aparentar, constroem vidas fictícias, gastam além das suas posses, reservam para si o que perdeu o brilho e o valor, acreditando estarem certas, por sempre colocarem os outros em primeiro plano. Como se fosse possível amar a alguém sem primeiro gostar de nós mesmos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Marta!
Simplesmente adorei tua Crônica!
Guardamos coisas maravilhosas da infância, porque, graças a DEUS, tivemos infância...
Aqui em casa não poderia plantar nada, porque não possuo pátio, mas se pudesse seria bem pertinho de mim.

Beijos

Anônimo disse...

Marta1

fiquei tão emocionada com as lembranças da infância que não escrevi o quanto não vivo para os outros, e que uso tudo que tenho, tanto é assim que já me perguntaram se ía dormir com a linda blusa que ganhei de uma grande amiga, por ocasião de meu níver, pois a recebi tarde da noite!

Beijos