2 de nov. de 2007

Tal e qual

A gritaria foi grande, quando o animal atravessou o campo, em passo displicente, e se dirigiu à cozinha dos funcionários, talvez atraído pelo cheiro do feijão com charque preparado no fogão a lenha. O primeiro a dar o alerta foi o próprio cozinheiro, temeroso da invasão aos seus domínios.

Atraído pela movimentação e pelos latidos dos cães, ainda contidos pela cerca do jardim, o caseiro acorreu, rápido. Olhou o animal estranho, o pêlo ouriçado contrastando com a cara enrugada e simpática, e logo teve um gesto de “tanto barulho por nada”. Mais do que ligeiro, pegou o animal pelo rabo, único local onde o pêlo não estava arrepiado, e gritou para o cozinheiro que trouxesse a caixa de madeira com tela.

Enquanto o outro corria e voltava com a tal caixa, o rapaz explicava aos companheiros, agrupados ao redor, que já vira esse animal na TV, justo no Animal Planet: _ É o ouriço cacheiro, animal sem maldade, cuja única defesa é o pêlo ouriçado, ao se sentir ameaçado _ explicou.

Era o tempo de prendê-lo, para escapar ao assédio dos cães, tirarem umas fotos e devolvê-lo ao mato onde decerto vivera até esse dia, despercebido de todos.
Nesse meio-tempo, chegamos nós e lá estava o bicho, preso na caixa. Quando sentiu a nossa proximidade, logo se arrepiou e virou de costas, talvez para não ser traído pelo olhar manso.

Habitante da Europa, o ouriço cacheiro é um mamífero, insetívoro, embora também se alimente de pequenos frutos que carrega para a toca, espetados nos espinhos afiados. Animal de hábitos noturnos, encontrado principalmente ao amanhecer e ao anoitecer, próximo a rios e lagos, ele também devia estar se perguntando o que fazia ali, em plena luz do dia.

Tive pena do bicho, incapaz de receber um carinho. Esquivo como tantas pessoas que não conseguem se relacionar, por medo de serem decepcionadas. Quando alguém se aproxima, elas também se ouriçam, com gestos e frases agressivas, para camuflar o lado gentil _ rápidas nas respostas grosseiras, especialistas na arte de desarmar a quem tente um contato.

Homens e mulheres há, às pampas, por esse mundo, desconfiados de tudo e de todos, sempre à espera de um desacato ou grosseria. Em contínuo estado de alerta, atiram a esmo farpas envenenadas, mantendo à distância, com a agressividade gratuita, a possíveis amigos ou boas companhias.

Na maioria das vezes, revidam ataques que não receberam nem receberiam, surpreendendo aos interlocutores, desejosos de apenas confraternizar. E quando os outros se afastam ou deixam de procurar, cansados de serem rechaçados, mais os primeiros se convencem do quanto eram justificadas as suas desconfianças.

Prende-se numa caixa o ouriço cacheiro animal, antes de solta-lo onde tenha condições de sobreviver. O ouriço cacheiro gente prende a si mesmo, amarra-se com as supostas traições, engasga-se com a desconfiança e o ódio acumulados, sufoca na própria amargura. Submerge sozinho, culpando o mundo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Marta!
Encontramos muitos ouriços cacheiros gente, por este mundo afora. Como diria minha Mãe: -Pessoas mal amadas!
É muito cômodo colocar a culpa no Mundo quando o mal está dentro da própria pessoa!Não querem teu apoio, carinho - nada... Acabamos deixando-a ir.

Beijos