1 de mar. de 2008

Aproveitar a vida

A amiga ouve o conselho de que freqüente a noite, aproveite a vida. Aborrece-se com a cobrança; há o tempo certo para cada coisa. Ler, escrever, arrumar o jardim, organizar as idéias e descobrir as prioridades, curtir as companhias desejadas, pode ser tudo o que se precisa, em determinado momento. Ela, por exemplo, sente-se bem assim; só não gosta da cobrança, quando os outros resolvem que não está “aproveitando a vida”.

Certas épocas, algumas mais que outras, mobilizam as pessoas, criando a necessidade de fazer programações diferentes das costumeiras. Principalmente às vésperas de feriados e na proximidade do verão, é comum a sensação de se estar perdendo algo, se não houver a perspectiva de fuga à rotina. Pensamos sanar as nossas ansiedades, preenchendo o tempo.

Inquietas, alvoroçadas, as pessoas pesquisam pacotes de viagens, inventam programas, estudam as diversas alternativas. Algumas examinam o saldo bancário e se desesperam: alugar a casa na praia é inviável; outras se regozijam, valeu a pena o planejamento. Todos se sentem na obrigação de fazer alguma coisa, ir para outro lugar. De repente, a ordem do dia é “aproveitar a vida”. Permanecer em casa é péssimo atestado, como mostrar ao mundo a falta de competência para se divertir.

Nessas horas, sempre lembro o meu sogro, que dizia não entender porque as pessoas sonham tanto em ter a sua casa e depois, na primeira oportunidade, querem escapar dela.

Bem, ele também não entendia o nosso costume de acampar no mato, à beira da barragem, deixando o conforto da casa – e aquilo era bom demais.
Uns olham para os outros e concluem que eles, sim, sabem viver, porque passeiam, fazem festas, viajam, trocam de parceiros, escalam montanhas ou surfam em águas longínquas. Diante de tantas alternativas, parecem desprovidas de encanto as suas vidas.

Afinal, o que significa “aproveitar a vida”? E, pensando bem, o que há de errado com o cotidiano? Construído por nós mesmos, de acordo com o gosto pessoal, composto pelos rituais singelos que nos proporcionam estabilidade, o cotidiano é a primeira coisa de que queremos nos desfazer, quando pensamos em “aproveitar a vida”. Mas quem sabe é o cotidiano que merece revisão, quando pesa ao ponto de desejarmos deixá-lo para trás, na primeira oportunidade?

Mergulhados nas situações criadas por nós mesmos, muitas vezes não sabemos aquilatar o quanto elas nos incomodam. Como comprovou certo casal, ao trocar o apartamento onde morava há anos por uma casa com jardim. “Só que agora vocês não virão me visitar na fazenda todos os finais de semana”- falou o amigo, pesaroso, fazendo-os rir da idéia absurda. No entanto, ele sabia o que dizia: quando ficaram contentes no seu canto, realmente as visitas espaçaram.

Pouco adianta trocar o endereço e levar as insatisfações dentro da bagagem. Aliás, em lugares paradisíacos, não faltam pessoas a se queixarem de aborrecimento, incapazes de saborear o tempo livre.

Aproveita a vida quem vive à sua maneira, nas companhias escolhidas, sem dar importância ao que outros possam pensar das suas preferências.

3 comentários:

Anônimo disse...

Feliz de quem pode trabalhar e fazer o que gosta.
Feliz de quem é educado e estimulado a olhar as coisas boa do dia a dia, sabendo contornar os problemas costumeiros.
Feliz de quem pode contar com saude, tempo e dinheiro para poder fazer alguns passeios ou férias.
Mas acho que poderá MELHOR APROVEITAR A VIDA todo aquele que for educado e estimulado a ver as coisas boas que estão acontecendo no dia a dia. Essa é uma grande missão que temos como pai e educadores. Mas já se passaram alguns anos para que possamos ler coisas assim, que tua crônica consegue fazer soar como algo que é mais importante do que parece.
Talvez TEMPO não seja só questão de preferência, como dizem muitos...

Anônimo disse...

QUERIDA MARTA!
Como me conheces muito bem, sabes de antemão o que vou escrever, mas faço questão de dar meu depoimento mais uma vez e quantas forem necessários.
Meu dia a dia é o meu mundo - nada monótono, nada sem gosto. Quando saio de casa, aproveito bastante, mas sempre sinto saudades do cotidiano.
Quando, em grupo, ouço que devemos aproveitar a vida, fico atenta ao que falam, mas não digo nada - lembra dos 3 macaquinhos? Acredito de que cada um tem uma maneira de aproveitar a vida, e é preciso respeitá-la. Eu sei o que é melhor para mim!

Beijos

Anônimo disse...

Sempre achei que aproveitar a vida é realizar coisas muito diferentes do dia a dia. Quando o faço sinto energia fluindo, um almoroço nas emoções. Gostaria sim, de poder olhar a vida no dia a dia assim, mas tenho um que dentro de mim que resiste e como uma névoa que não enxerga e a sensação de iniciar o momento com nova força, se dissipa..leio as frases que me enviam, leio textos lindos em imagens maravilhosas, é uma luta diária..