“Em certas ocasiões, o silêncio é cúmplice da injustiça”_ escreveu Ayaan Hirsi Ali, a mulher jurada de morte pelo islã, por ter tido a coragem de lutar pelas suas convicções.
Nascida na Somália, em 1969, Ayaan viveu também na Arábia Saudita, na Etiópia e no Quênia. Nesse caldeirão cultural, construiu a sua identidade, narrada de forma autobiográfica no livro INFIEL, da Companhia das Letras.
Com a avó, pertencente a um clã de nômades, aprendeu a importância da linhagem e a arte da sobrevivência. Com a mãe, aprendeu a se cuidar, pois “meninas e cabras são presas fáceis para o predador”. Com o pai, antropólogo, líder político, sempre envolvido em campanhas de alfabetização, aprendeu o valor da educação, como forma de libertação – aprendizagem que a fez insistir, até conseguir ser colocada na escola.
Aos cinco anos, aproveitando a ausência da mãe, proibida pelo pai de exercer a prática usual na Somália, Ayaan teve seu clitóris extirpado, por orientação da avó, numa cerimônia considerada de purificação. Mais tarde, numa das costumeiras surras maternas, sofreu trauma craniano, tendo que ser hospitalizada.
Antes dos dez anos, mudou-se com a mãe para a Arábia Saudita, onde conheceu os rigores do islamismo e onde, pela primeira vez, foi discriminada e teve conhecimento da cor negra de sua pele.
Na adolescência, em romances de autores americanos e ingleses, passados de mãos em mãos, às escondidas, Ayaan descobriu novidades perturbadoras: todas as raças são iguais; mulheres têm os mesmos direitos que os homens _ contavam os livros. Conceitos utópicos, desconhecidos nos diferentes regimes políticos em que vivera, onde a mulher era considerada ser inferior e desprezo e ódio eram fomentados entre as diversas etnias.
Atordoada, buscou proteção na obediência extrema aos ensinamentos de Maomé. Mas aí os acontecimentos se precipitaram _ e não vou contar todo o livro _ sedimentando as idéias. Ao casamento imposto, preferiu fugir para a Holanda, onde recebeu asilo político e se tornou deputada, começando a luta pelos direitos das mulheres e pela reforma do islã.
Com o senso crítico desenvolvido na escola da vida, admirou a civilidade dos holandeses, mas lamentou que, em sua ingenuidade, permitissem a proliferação de costumes bárbaros, em solo holandês. A política de respeito aos imigrantes fazia com que as mulheres e as crianças muçulmanas continuassem sujeitas à violência. Meninas sofriam excisão em mesas de cozinhas, mocinhas eram assassinadas por desejarem escolher o namorado.
Tendo mil razões para se tornar submissa, infeliz e revoltada contra a sorte que lhe coube, Ayaan se recusou a todos esses papéis. Sem culpar o destino, sequer culpando as inúmeras pessoas que a violentaram, por compreendê-las dominadas pela ignorância, optou por se tornar responsável por si e pelas suas crenças.
Agora nos Estados Unidos, Ayaan Hirsi Ali continua a luta pelos direitos femininos. Cercada por guarda-costas, jurada de morte pelo islã, luta, inclusive, para mudar a mentalidade das suas iguais. Mas, como ela diz: as grades da gaiola mental demoram muito a se romper.
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