4 de abr. de 2008

O que vier é lucro

Pelo aspecto precário, era fácil imaginar quantas histórias o Chevette à frente teria para contar. Dentro, parecia haver mais cabeças que os prováveis cintos de segurança. No vidro traseiro, estava escrito: “Nasci careca, pelado e desdentado. O que vier é lucro”.

Apesar de avariado, o Chevette é sábio – pensei. Aí me lembrei de um Fusca que conheci, há muito tempo. Cheio de razão, lá se foi ele para Punta Del Este, levando o jovem casal e os filhos pequenos, com as respectivas malas, mochilas, sacolas e caixas térmicas. A idéia era irmos mais tarde e nos encontrarmos lá, mas do endereço eles só sabiam a rua onde ficava o apartamento alugado, o número não lembravam. “É fácil – falou o amigo. Quando acharem o Fusca, nos encontraram; vai ser o único em Punta, com certeza”.

Realmente, foi fácil encontrá-lo, em plena Avenida Gorlero. No vidro traseiro, tinha um cartaz bem grande, improvisado pelo orgulhoso dono: No se vende.

A melhor graça é a proporcionada pela aceitação bem-humorada da nossa realidade, quando nos assumimos integralmente, com os apertos financeiros e os períodos de largueza, os lances de inteligência e as crises de burrice, gestos generosos e rompantes mesquinhos, rasgos de valentia e momentos de acomodação ou covardia. Normais, portanto.

Carroceria batida, pára-lama amassado, farol desregulado, batemos latas pelas estradas da vida, carregando conosco a nossa história. Por isso não adianta querer negar o óbvio, aparentar mais do que se é. Porque, para os outros, é isso que somos: óbvios. Com a clarividência obtida pelo distanciamento, eles vêem muito mais do que desejaríamos mostrar. Somos transparentes para os outros, esses a quem pretendemos encantar com as nossas artes e artimanhas.

Passada dos oitenta anos, a amiga acrescentou com naturalidade, após relatar alguns problemas comuns à idade: “Mas está bem assim. Afinal, é isso ou aquilo”. Não se queixou da transitoriedade de tudo, nem ignorou a sombra que estende o manto, esperando o momento certo. Aceitou o tempo que restava e se dispôs a aproveitá-lo, sem resmungos ou lamentações.

Jovens se preocupam em criar uma imagem de sucesso, afligem-se pelos passos em falso; velhos vivem cada dia como o presente que é.

Pessoas há, porém, inúmeras, a se indispor contra o inevitável. Ou, pior, assombradas pela opinião dos outros, como se devessem satisfações dos seus atos. Ou “como se eles lhes pagassem as contas”, observou a advogada de sucesso, ao justificar a razão de não se sentir insegura, em ambiente algum. Afinal, por que se preocuparia com a opinião alheia, responsável que é por si mesma?

A aceitação da nossa realidade é a arte de bem viver, sem melodrama ou empenho em nos fazermos de heróis ou mártires. Renega-la é bracejar em mar revolto, lutando para conservar o nariz fora da água. Se nos dispusermos a isso, que seja por nós mesmos e pela crença de que merecemos o melhor, jamais pela ânsia tola de impressionar aos outros.

4 comentários:

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

O acaso me trouxe até aqui. E aqui fiquei um bom tempo.Meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com

Anônimo disse...

Adorei tia Marta!!
"Ah, se aquele fusca falasse!!!"
Um beijo!

Anônimo disse...

Marta!
Quando escreveste " A arte de viver bem".disseste tudo!
viver bem consigo mesma, com o próximo e também com o afastado.
Deixar a vida seguir seu caminho, sem a preocupação do que o outro está fazendo, tendo,acontecendo.
Quando se olha demais para os lados, a visão em frente fica turva.

Beijos

Anônimo disse...

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