A morte da menina Isabella Nardoni, em 29 de março, mexeu com as emoções de milhares de pessoas que jamais haviam sequer ouvido o seu nome, antes que a mídia o repetisse à exaustão, até chegar ao absurdo final.
Grandes tragédias costumam propiciar a revisão do nosso modo de vida. A morte de alguém próximo provoca um sobressalto, como se uma campainha tocasse forte ao nosso ouvido. Acidentes no trânsito fazem com que os motoristas diminuam a velocidade dos veículos, pelo menos nos quilômetros seguintes. Roubos na vizinhança fazem com que todos coloquem alarmes e aumentem as grades. Aturdidas, as pessoas procuram meios para se proteger.
A morte de Isabella mobilizou o país. Por dias, acompanhando os noticiários, as pessoas rezavam por alguma explicação que não fosse a óbvia, para que ainda pudessem ter um fio de esperança no ser humano. Confiar em quem, quando a figura paterna deixa de representar a segurança garantida?
Revoltados, outros pais e mães desejaram fazer justiça com as próprias mãos. Por pouco, a multidão enfurecida não tomou a si essa tarefa, aumentando a tragédia.
Contudo, pessoas que trabalham na área da saúde, da segurança e da justiça, como médicos, psicólogos, policiais, promotores e outros, sabem que a maior violência se manifesta em casa, entre as quatro paredes do que deveria ser o lar. Ainda que a maioria dos casos não chegue a extremos, milhares de crianças, adolescentes e mulheres sofrem maus tratos e abusos sexuais, de boca fechada, por medo de desencadear reações piores ou por receio de perderem o seu único referencial.
Para minorar o sofrimento, ajudando alguém nessas condições, é preciso que a sociedade fique atenta a todos os sinais de desvio de conduta e agressividade descabida, não se furtando a tomar atitudes e denunciar.
Mas a responsabilidade maior, em qualquer situação, cabe às pessoas próximas, não permitindo que os comportamentos agressivos se tornem rotina, levando a caminhos sem volta. Acaso o gesto extremo da madrasta foi a primeira agressão dirigida à menina de cinco anos? Jamais o pai teria percebido a animosidade latente? Avô e tia, tão solícitos em proteger o casal, também nunca foram capazes de desconfiar dos maus tratos? Nenhuma funcionária observou comportamentos agressivos e sentiu a necessidade de comunicar o fato a alguém capaz de defender a criança? Nunca antes seus gritos chamaram a atenção dos vizinhos? E a mãe, um tanto quanto preservada pela mídia, quanto percebeu da situação e que medidas efetivas tomou? Se realmente fez denúncias, quais as providências tomadas pelas autoridades?
Nesse contexto monstruoso, quantos terão que prestar contas à sua consciência, ainda que jamais sejam chamados a depor?
Somos responsáveis pelas escolhas feitas, ao longo da vida. Quantas mulheres percebem a agressividade dos namorados e amantes e preferem ignorar, por considerarem sinal de masculinidade? Quantas mães sabem que os filhos sofrem abusos sexuais por parte dos seus parceiros e fingem não saber, fechando a única porta onde poderiam achar socorro?
Isabella morreu, de forma estúpida e desumana, vítima da agressão e da omissão. A sua morte não será em vão, se soar como toque de advertência, obrigando-nos a maiores cuidados e precauções. Milhares de outras crianças sofrem maus tratos. Quando preferimos não enxergar a violência em nosso meio, nós nos tornamos coniventes e responsáveis pelas suas consequências.
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