16 de mai. de 2008

A arte de se reinventar

A amiga contou que comprou duas gatas. “De três pelos”, frisou, justificando a escolha: são as melhores caçadoras. Estava tão entusiasmada, contando as gracinhas das gatas como se contasse artes da bisneta, que perguntei, admirada: - Sempre gostou de gatos?

- Não, nunca gostei de gatos, de cachorros, nem sequer tive qualquer bicho de estimação.

- Então, por que resolveu comprar as gatas? – precisei perguntar.

- Só pra ter um interesse na vida, alguém que ainda precisasse dos meus cuidados, mas nunca imaginei que gatas pudessem ser tão interessantes – completou, sem notar que se referia a elas como se fossem gente.

A amiga tem quase noventa anos, com cabeça e corpinho de vinte menos, como hoje acontece a algumas privilegiadas. Outro dia, falou: “Reciclar-se ou morrer” – explicando que suas companheiras estavam morrendo, uma após a outra, por isso tinha aprendido a jogar megacanastra na internet, com parceiros desconhecidos. Antes, jogava gamão. Também possui um jardim, que de vez em quando a sobrinha ajuda a renovar. Além dos compromissos familiares, envolve-se com a assistência social. Adquiriu as gatas sob a desculpa de que seriam úteis, mas se interessou por elas, como se interessa por tudo e todos que a cercam. A amiga cria razões para se manter ativa.

A propósito de se reinventar, a cronista Martha Medeiros ensina que “a única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos e ter disposição para guinadas”.

Atingidos os sessenta anos, legalmente, o sujeito é considerado idoso, ainda que se ache na maior potência, cheio de pique e sem a menor intenção de freqüentar as filas preferenciais. Mas, se idoso é rótulo a que não se consegue escapar, velho é outro tipo de gente.

Velhos ficam se repetindo, contando coisas do “meu tempo”. Não que seja ruim falar no passado e comentar as mudanças, mas a conversa começa a patinar na “pouca vergonha de hoje em dia” e atola de forma irreversível na argumentação de que lá tudo era melhor, sem sombra de dúvida.

Velhos se recusam a aprender novidades; resistem ao uso do telefone celular, usam o computador só pra jogar paciência. Obedecem a horários rígidos (almoço ao meio-dia, todo santo dia). Detestam imprevistos, mudanças. Velhos não se conformam com as guinadas que a vida dá, ficam remoendo as perdas, parados num tempo que ficou pra trás. Principalmente, interessam-se pouco pelos outros e muito por si mesmos; o que vão comer no almoço e quantas vezes acordaram à noite são temas obrigatórios de conversa.

O desinteresse pelo novo chega devagar, razão pela qual demora a ser percebido como sintoma de velhice. Primeiro, o assunto dos outros deixa de interessar, depois as atividades e os lugares perdem toda a graça, então a pessoa vai se fechando no seu mundo interior, desinteressada do que ocorre à volta.

Em qualquer idade, enquanto há receptividade para o outro, a pessoa não se sente velha, nem é vista dessa forma. Se, além de receptiva, souber buscar novas fontes de interesse, tornar-se-á capaz de criar situações e condições para o seu prazer. Sobreviver é arrastar-se pela vida, às vezes até contente por ainda estar neste mundo, mas sem disposição para fazer a diferença ou acrescentar algo. Viver é mudar conforme as circunstâncias, aceitar o novo ritmo, sem queixas ou resmungos, pelo prazer de gerenciar o próprio destino. Viver é procurar razões para cada despertar.

3 comentários:

Ana disse...

Perfeito. Importante.
Bom pensar sobre estas coisas...

Anônimo disse...

Amiga Marta!
"Renovar ou morrer". Vamos renovar, é claro!
Aposentada, sim. Inativa, jamais!
A vida nos proporciona tantas atividades, que às vezes,temos dificuldade em escolher, qual deixar de lado.Somente envelhece cedo, quem desejar ou quem não tiver condições físicas adequadas.
Beijos

Rosamaria disse...

Vim lá da Ana e penso o mesmo que ela.