25 de jul. de 2008

Semeadura

No interior do Basílio, lá onde passei todas as férias da minha infância, as pessoas falavam “o finado”, quando se referiam a alguém já falecido. Embora criança, chamava a atenção o fato de todos os “finados” serem pessoas maravilhosas, lembradas com o maior respeito. Viúvas que, segundo o conhecimento geral, tinham passado maus pedaços com os respectivos maridos, passavam a lembrá-lo com suspiros arrancados do fundo do peito, mal a tampa do caixão fechava, decretando a sua liberdade.

Ninguém vira santo, só porque morreu. Embora a morte costume sensibilizar, fazendo com que as pessoas se constranjam de falar mal do morto recente, com o tempo ele volta a ser bom ou ruim, generoso ou miserável, amável ou grosseiro como realmente foi. Recupera as qualidades e os defeitos, à medida que o tempo passa, devolvendo tudo ao seu lugar.

Não sei se, após esta, haverá outra vida, onde as boas ações serão recompensadas e todos os delitos receberão a justa punição. Um lugar onde as almas encontrem explicações para o sofrimento que padeceram ou presenciaram, para os inúmeros desmandos e transgressões que, contra toda a lógica, neste mundo passaram em branco, sem que os responsáveis fossem penalizados.

Não possuindo – ou julgando não possuir - essa fé confortadora, possuo a crença de que as pessoas permanecem nas lembranças que deixam, nos exemplos, nos conselhos sensatos e nos maliciosos, nas passagens engraçadas, nos ditos espirituosos, nas risadas que ainda parecem ecoar, no brilho que se procura em outro olhar, no bem ou no mal realizado. Eternizam-se pelo que representaram para outros, próximos ou não.

Um único e inesperado gesto de atenção pode garantir a determinada pessoa uma citação positiva, sempre que seu nome for lembrado. Com alguém, em certo momento, ela se mostrou atenciosa, simpática, por isso a sua imagem foi congelada de forma generosa por essa pessoa.

Da mesma forma, um único momento infeliz pode deturpar uma imagem. Outros enaltecem aquela pessoa, mas alguém conheceu o outro lado, vislumbrou o que ela jamais desejaria expor, sabe a verdade. Para esse, a morte não servirá de enfeite.
A cada dia, sem se dar conta, cada um constrói a imagem que o preservará, como se brincasse com blocos de madeira, sem idéia definida do que realmente pretende construir. Mal colocado, algum bloco pode cair, sem produzir maior dano; leve toque em outro, ao contrário, ocasiona o desmoronamento, obrigando a recomeçar; por sorte o terceiro se transformou na base sólida que a construção exigia.

Pessoas especiais conseguem o feito de, mesmo partindo, permanecerem conosco, pelo que semearam e fizeram frutificar em nossa vida.

Não pesa a carga das boas lembranças. Mas é bom saber que cada um de nós também semeia as suas, ao longo da estrada. Sementinhas espalhadas, algumas vezes sem perceber, outras com toda a intenção. Algumas não vingarão, pelo solo árido ou pela falta de cuidados. Outras crescerão e saberão se multiplicar, ajudando a preservar a lembrança de quem semeou.

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