Por ironia do destino (ou quem sabe implicância), precisei me submeter a outro tratamento de radioterapia. Assim, novamente freqüento os corredores e salas do Hospital Sírio Libanês.
Presencio histórias de coragem e determinação de vencer. A maioria dos pacientes é de outros estados: Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte. Gente que veio de longe, aconselhada pelos próprios médicos, conhecedores da aparelhagem sofisticada e certeira do hospital paulista. Gente que deixou para trás família, amigos, casa, atividades econômicas, na esperança de vencer o câncer.
Com cada paciente (haja paciência!), veio um ou mais acompanhantes, que também deixaram tudo para trás, pela generosidade de compartilhar esse momento, tentando torná-lo menos difícil. “Pacientes”, contudo, nem sempre são pacientes como se desejaria. Junto com as histórias de garra e ânimo forte, outras despertam sentimentos contraditórios.
Na sala de espera, doía ver o desânimo da jovem, aguardando o seu horário para a radioterapia. Dia após dia, chegava junto com a mãe, também quieta, de vez em quando lançando à filha um olhar tímido. Sofrendo tanto pela doença como pela reação da filha.
Chamada para a sessão diária, ela saiu. Alguém falou que estava triste, por estar longe do marido e da filhinha. Pensei na mãe: e ela, como estaria?
Pensei que, se algum dia ficássemos só as duas na sala de espera sempre cheia, teria tantas coisas para lhe dizer. A começar pela necessidade de olhar para os lados, ver outros casos, a maioria sem a oportunidade de tratamento de primeiro mundo de que ela pode se beneficiar. E bem podia colocar uma roupa alegre, um par de brincos nas orelhas, batom nos lábios e um sorriso no rosto, para dizer ao mundo que levou pancada, mas ainda está na luta; não pense alguém que foi nocauteada, só porque sobrou pra ela, como poderia ter acontecido a qualquer outra pessoa.
Também alquebrado está o velho sentado no sofá, à minha frente, acompanhando o filho na cadeira de rodas. O rapaz choraminga, inconformado com a situação. Junto a ele, uma moça se desdobra em atenções, sem saber o que mais fazer. “Será a sua mulher?” _ pergunta, baixinho, a senhora ao meu lado. Todos os olhares na sala convergem para o quadro formado pelo rapaz, a moça e o velho. “Ela é muito jovem, não vai agüentar” _ ainda fala a desconhecida. Agora o rapaz quer sair da cadeira de rodas, sentar no sofá; o pai diz que espere, o médico já vai chamá-lo; o rapaz começa a chorar.
Penso que está na hora de alguém dizer a esse jovem que seja gente (dizer que seja macho seria injustiça com as mulheres) e agüente a barra, por pesada que seja. Pai, mulher, irmão ou amigo não precisam ser penalizados pela sorte amarga que lhe tocou. É duro ficar doente, precisar abdicar de muitas coisas, mas a maneira de encarar a situação pode fazer toda a diferença.
Penalizados pela situação, amigos e familiares se desdobram em atenções, procurando atenuar os inconvenientes que toda doença acarreta. Alguns “pacientes” entendem isso como licença para se tornarem carrascos ou ditadores, impondo sua vontade, exigindo atenção contínua.
Principalmente, é preciso lembrar: os outros não têm culpa pelo que aconteceu.
Um comentário:
Ninguém tem coragem de falar estas coisas, porque eles estão fragilizados pela doença...
Infelizmente isso é muito comum e a autopiedade cega estas pessoas...
Um belo depoimento, de quem sabe reconhecer que sempre há o que se agradecer, mesmo nas dificuldades!
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