26 de set. de 2008

Antes da hora

Antes da hora, já “matei” muita gente, pela crença generalizada de que ser portador de um tumor cancerígeno era sentença de morte. Detectada a doença, o sujeito passava a ser olhado de forma consternada, como se todos já o considerassem mais pra lá que pra cá e começassem a se despedir. Olhado, não encarado, porque poucos se sentem com força suficiente para enfrentar o olhar de quem se supõe que esteja prestes a partir.

Herdeiros menos amorosos poderiam iniciar a lista dos bens a dividir; mulheres sozinhas, à cata de um bom partido, talvez principiassem a observar o comportamento do futuro viúvo, preparando a estratégia de ataque.

Só que eu não sabia, quando me enchia de lástima, ao tomar conhecimento do diagnóstico recebido por alguém, que não apenas os gatos possuem sete vidas. Cada ser humano também recebe essa dádiva, multiplicada várias vezes.

Puxamos um Az da manga, quando o automóvel que vem ao nosso encontro, na ultrapassagem inapropriada, consegue desviar para o acostamento, no último segundo; quando recuamos um passo, apenas um, e esse é suficiente para a moto passar em louca disparada, deixando-nos trêmulos de emoção, mas inteiros. Puxamos nova carta, quando evitamos um caminho ermo, à noite, e no dia seguinte lemos na crônica policial sobre assalto com vítima, justo naquela esquina.

Da mesma forma podem ser consideradas as doenças que nos assaltam: novas vidas que nos são oferecidas, para que tenhamos tempo de nos reciclar. Aturdidos pelo absurdo ou a crueldade do que lhes sucedeu, alguns não conseguem reconhecer a nova chance recebida. Privilegiados são os que se dão conta e saboreiam com gosto a oportunidade.

Contudo, aos poucos, a maneira de encarar o câncer começa a mudar, muito pela transparência com que algumas personalidades públicas trataram o assunto. Entre essas, o melhor serviço de desmitificação da doença talvez tenha sido feito pela apresentadora Ana Maria Braga, ao apresentar com naturalidade e coragem o seu problema.

Outras pessoas, porém, ficam se questionando, inconformadas com o diagnóstico inesperado. Por quaisquer razões, há quem se acredite imune. Mas, tal qual perda de memória durante o discurso ou diarréia repentina em acontecimento social, ninguém está livre. Entrou na parada, corre o risco.

Há algum tempo, ao desconfiarem do problema, _ por medo de encarar a verdade, por não desejarem incomodar os próximos ou simplesmente por ignorância _ era comum que as pessoas preferissem ignorar até ser tarde demais e todos os recursos estarem esgotados. Com a maior divulgação dos casos bem-sucedidos, é natural que a procura por ajuda médica se faça mais rápida. Mas, além disso, sem pânico, por simples bom senso, a obediência à regularidade das revisões é fundamental para o sucesso do procedimento. Considerar-se em ótimo estado e adiar a consulta médica é dar fôlego ao imprevisível, aprendi por experiência própria.

Hoje sei que um diagnóstico de câncer não precisa ser sentença de morte. Em alguns casos, como o meu, por exemplo, _ em três anos, 3 cirurgias, 2 tratamentos de quimioterapia e 2 de radioterapia _ já nem sei se é piada. De qualquer forma, prefiro considerar como uma corrida de obstáculos, encarados e vencidos à medida que se apresentem. Também como a aprendizagem que decerto precisava.

Nos intervalos, muita festa, alegria, convivências prazerosas, aprendizagens, viagens, novos interesses _ que ninguém é de ferro.

2 comentários:

Ana disse...

É um bonito depoimento. Emocionante.

De quem sabe tirar, da vida, aprendizado, crescimento, maturidade, sabedoria...

Tomara que muitas pessoas leiam este texto! É um alerta - e, ao mesmo tempo, uma esperança!

Boa sorte!

Anônimo disse...

Realmente eu precisava ler isso, aliás todo ser humano deveria ler e aprender a encarar a vida como você.

Repassarei para alguém que precisa e sei, vai se firmar no seu pensamento. Obrigada.

lindos sejam seus dias,flor
beijos