1 de set. de 2008

É isso ou baixar a cabeça

Durante os Jogos Olímpicos, para demonstrar ao mundo a boa vontade na promoção da liberdade de pensamento, as autoridades chinesas resolveram liberar três locais como zonas oficiais de protesto. Por se tratar de um país onde até a internet é fiscalizada, naturalmente a abertura causou expectativa.

Contudo, para surpresa geral, as três zonas oficiais chegaram ao final dos Jogos sem abrigar um protesto sequer. Para começar, na maior população mundial, apenas 77 pessoas ousaram encaminhar à polícia o pedido de autorização.

Duas senhoras amigas, uma de 77, a outra de 79 anos, registraram cinco pedidos consecutivos para ter a oportunidade de protestar, nos parques designados. Ambas desejavam compensações das autoridades pela demolição arbitrária de suas casas, em razão da remodelação de Pequim para os Jogos Olímpicos. Foram condenadas a um ano de trabalhos forçados nos “campos de reeducação” chineses, transformados em prisão domiciliar, em razão da idade. Se não se aquietarem, seu destino será mesmo um dos campos de reeducação, segundo depoimento do filho da mais velha.

Estrangeiros também foram presos, por protestar contra o domínio do Tibete. Fotógrafos e correspondentes estrangeiros que cobriam as manifestações foram detidos e interrogados. Na China, prisão administrativa e envio a campos de reeducação podem ser determinados pelo governo, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

O que temos nós a ver com isso? – poderá alguém pensar, refestelado em sua poltrona, neste Brasil que acreditamos democrático. Quando as barbas do outro ardem, os previdentes colocam as suas de molho. Porque as situações não mudam de um instante para o outro, num piscar distraído dos olhos.

Elas mudam devagar, de um jeito quase despercebido. Alguns mais atentos se dão conta, mas os outros costumam chamá-los de chatos, impertinentes, fanáticos, por isso a maioria se cala e fica torcendo para não ter razão no seu medo e desconfiança.
Começa, em geral, pelo desarmamento, porque uma população sem armas não tem a mínima capacidade de reação e defesa. Nesse sentido, são realizadas campanhas “educativas”, no intuito de convencer as pessoas do benefício de espontaneamente se desfazerem das armas em sua posse. Quando os objetivos não são atingidos em sua plenitude, - como aconteceu no Brasil, quando o plebiscito disse “não” ao desarmamento obrigatório – outras medidas são tomadas, visando dificultar ao máximo o porte de armas. Por comodismo ou dinheiro escasso para fazer frente às despesas com o registro e o porte, outros tantos desistem.

O próximo passo é o cerceamento da imprensa, pelo controle das notícias que podem ser divulgadas.

Enquanto isso, de forma sistemática e sorrateira, toda autoridade é colocada em ridículo e questionada. Família, escola, judiciário, polícia civil e militar são alvos de crítica e desrespeito. Sem valores, as pessoas se sentem perdidas, sem saber a quem apelar, nos momentos de crise.

A China, em seu processo de abertura, tem um longo caminho pela frente. No Brasil, ainda que muitas situações não cheguem ao nosso conhecimento, pelo menos a imprensa não teve sua atuação controlada, como foi pretendido. Da mesma forma, vozes corajosas reagem, aqui e ali, em defesa dos nossos direitos. Cabe a nós, cidadãos comuns, buscar as informações e fazer coro com os protestos justificados, fortalecendo as idéias que julgarmos dignas.

É isso ou baixar a cabeça, esperando o dia em que protestar seja crime passível de “reeducação”.

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