Começou com uma coceirinha irritante no olho direito, como se um grão de areia ali se houvesse instalado. Distraída, a mulher coçou com a mão. A coceirinha aumentou, transformou-se em coceira insistente. A mulher coçou ainda algumas vezes, sem prestar atenção, mais interessada na crônica que tentava escrever. De repente, sentiu que o previsível acontecera: o olho congestionara, a pálpebra se mostrava inchada e a face direita também começava a inchar, em velocidade alarmante. O conhecido processo de alergia fora desencadeado, simplesmente porque se recusara a reconhecer os sintomas, tomando a medida cautelar que a experiência aconselhava.
_ Como pude ser tão idiota? _ pensou, tarde mais. Se ainda fosse marinheira de primeira viagem, mas logo ela, acostumada por demais a essa circunstância.
Tomadas as medidas paliativas, lá ficou, de rosto inchado, ainda tendo que agradecer por não precisar sair à rua, dando explicações pelo fato.
Aí, num relance, veio a compreensão: cada um se torna cúmplice das situações que deixa acontecer. Porque, em todas, há sempre o primeiro aviso e outros mais. Interessados em outras coisas ou desinteressados do que está à nossa frente, preferimos ignorar as sinalizações e seguir com a vida, do jeito programado. Como se, ignorando, pudéssemos conter o processo.
Os avisos aumentam, sirenes começam a piscar, e nós ali, brincando de estar tudo bem. Até que se torna impossível ignorar, em geral quando o rosto já inchou, a casa caiu na nossa cabeça, a mulher saiu de casa e levou as crianças, o marido teve um caso com a colega de escritório, o funcionário deu um golpe, o filho está atolado nas drogas.
Quando ignoramos os sinais de alerta ou os pedidos de socorro, permitimos que os problemas tomem forma e se avolumem. Depois, a gente se queixa, não sabe como aconteceu, acha que não merecia. Mas, na real, nada acontece sem uma boa ajuda das partes. De certa forma, com o consentimento.
Em geral, o sexto sentido lança o sinal de perigo à frente. Pode ser um olhar invejoso, percebido de relance; algum gesto inapropriado, como a tentativa de esconder alguma coisa; um comentário indiscreto; um telefonema fora de hora; uma notícia detectada num canto de página do jornal. Naquele momento, a lancetada da dúvida se faz sentir, de forma sutil. Acomodados, preferimos ignora-la. Por isso o problema cresce, protegido pela incompetência na administração.
Quando alguma situação causa mal-estar, é bom lhe dar atenção, esmiuçar as prováveis causas do desconforto. Prestar atenção ao instinto primário de defesa, à luz de alerta piscando.
Em todas as áreas da vida pessoal, social e política, luzinhas intermitentes acendem, sinalizando o início das dificuldades. Às vezes, atentos, conseguimos cortar o mal pela raiz. Em outras ocasiões, dispersivos ou acomodados, deixamos correr, na esperança de que as coisas se acomodem por si mesmas. Só que, em geral, em vez de se acomodarem, elas costumam complicar.
Tudo por não termos colocado o colírio recomendado, ao primeiro mal-estar.
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