Em lugar do clássico “Mudou-se para a rua ...”, leio uma escancarada declaração de amor, da parte do proprietário que trocou de endereço _ colocada em forma de bilhete, em letra manuscrita, na parede externa da loja, na esquina da Alameda Lorena com a Haddock Lobo. Fala que foi amor à primeira vista, desde o primeiro instante viu que seria feliz ali, que a relação foi maravilhosa e os anos transcorridos muito felizes; muda-se para a Oscar Freire, mas guardará sempre a Lorena em seu coração.
Pode-se imaginar maneira mais simpática de comunicar a mudança de endereço? Ou de acabar um relacionamento? Isso é São Paulo, a cidade que consegue sempre surpreender. Contudo, é devagar, como quem não deseja se impor, que a cidade se mostra, apresenta as diversas facetas, a beleza discreta, as possibilidades infinitas.
Caminho pelas ruas, observando rostos e comportamentos; descubro gentileza e solicitude, bairros onde as pessoas vivem como se estivessem numa pequena cidade, usufruindo da familiaridade que em outros lugares se perdeu.
Justamente pela condição de metrópole e pelo trânsito congestionado, todos procuram fazer a vida no próprio bairro, à medida do possível. Filhos e pais moram à distância de uma quadra, perto do local de trabalho e do colégio das crianças, para facilitar o cotidiano. A academia de ginástica não fica longe e perto também fica a escolinha de natação.
Cada bairro é um pequeno mundo. Noto que grande parte das pessoas é fiel àquele onde viveu desde a infância e onde estão seus amigos e os amigos de seus pais. Formam-se pequenas comunidades, gente que fala com orgulho do Itaim, de Pinheiros, do Morumbi ou do Ipiranga.
Cada bairro tem as suas peculiaridades, mas todos têm os habitantes naturais, os velhos caminhando ao sol, as mães empurrando os carrinhos com os bebês, as avós ou as babás levando os meninos para a escola, as uniformizadas empregadas domésticas fazendo compras no supermercado, os carregadores levando a pé os mantimentos até a residência do comprador, os casais tomando o café da manhã em torno das mesas colocadas nas calçadas. Há também as padarias com os balcões cheios de iguarias deliciosas; restaurantes para todo tipo de gosto e clientela, alguns com simpáticos bancos de madeira e ferro, colocados na calçada, à frente do estabelecimento; endereços minúsculos e quase despercebidos onde se conserta desde o zíper da jaqueta até o desfiado da blusa. Tudo tem solução, em São Paulo.
Mas o que mais gosto é observar os cidadãos locais, em seu dia-a-dia, e comprovar a cada instante como é fácil criar idéias falsas sobre a maneira como os outros vivem. Neste Brasil tão grande e diversificado, criamos imagens estereotipadas sobre a maneira de ser e viver dos habitantes dos outros estados brasileiros. No conceito daqueles que vivem em cidades do interior, por exemplo, a capital paulista é considerada selva, lugar de salve-se quem puder, convívio nulo com amigos e familiares, pessoas só preocupadas com o trabalho. Mas, terra de gente amistosa, a capital não corresponde à imagem que dela muitos fazem.
Aliás, de maneira geral, as pessoas tendem a criar fantasias sobre a vida dos outros. Precisamos nos desarmar, se desejamos que o outro se mostre como é, verdadeiramente. Quem fica “se achando”, representando, talvez até faça bons pontos, no jogo da vida, mas dificilmente fica satisfeito com o resultado final. E para qualquer relação ser considerada verdadeiro caso de amor, melhor teste não há que, ao término, algum dos parceiros ainda desejar agradecer pelo tempo passado juntos.
Um comentário:
Quando viajo, para o interior ou para o exterior, sempre sou bem tratada, pois acredito que me devolvem o que, de mim, recebem.
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