17 de nov. de 2009

A travessia do Canal do Panamá



Saí da cama, cheia de expectativa, às 6h da manhã, justamente quando o Celebrity Infinity, o navio em que viajamos, chegou à entrada do Canal do Panamá, no mar do Caribe. Vamos direto à proa, no deck 11, onde outros passageiros, que tiveram a mesma idéia, já estão sentados em cômodas poltronas, colocadas de forma a proporcionar a melhor visão da operação. Não por acaso, imagino, a primeira fila está ocupada por japoneses. Ficamos na terceira, onde a visibilidade ainda é boa.

Outros navios estão à espera, cada um com o seu horário determinado com meses ou até um ano de antecedência, em virtude do enorme movimento nessa passagem.

A grande importância do Canal do Panamá se deve ao fato de, anteriormente, a travessia de um oceano ao outro ser realizada apenas pelo Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul. Imagine-se a economia de tempo e dinheiro e o que isso representaria, hoje, embutido no preço de cada mercadoria ou passagem.


O Canal do Panamá, que funciona através de um sistema de eclusas, tem cerca de 80 km de comprimento e comunica os oceanos Atlântico e Pacífico em um dos pontos mais estreitos do Istmo do Panamá e do continente americano. Possui dois grupos de eclusas no lado do Pacífico e um no lado do Atlântico. Os três jogos de eclusas, de duas vias cada um, de modo que as embarcações possam passar nas duas direções, servem como ascensores de água que elevam os barcos ao nível do lago Gatún, a 26 metros acima do nível do mar, a fim de permitir a passagem pela Cordilheira Central e depois baixá-los ao nível do mar, no outro lado do Istmo.

Durante o procedimento, fecham-se as comportas das câmaras, para que a água flua por gravidade. São necessários aproximadamente 197 milhões de litros de água doce, provenientes do lago Gatún, em cada operação de funcionamento das eclusas, os quais vertem finalmente para o mar.

O lago Gatún era selva, anteriormente, mas a construção do Canal necessitou a sua inundação pelas águas do rio Chagres, onde foi construída uma barragem para esse fim. Desde então, transformou-se num ecossistema totalmente novo, cheio de ilhas, canais e baías, com milhares de pássaros exóticos e animais selvagens.



Um grande cargueiro segue à frente, o que nos proporciona observar toda a logística empregada. Locomotivas elétricas, trabalhando aos pares, sobre trilhos e cremalheiras, uma de cada lado, mantém o cargueiro na posição correta em relação à estrutura das eclusas, através de cabos de aço. Conforme o tamanho, cada embarcação pode necessitar quatro ou oito locomotivas.





As portas maciças de aço da primeira eclusa se abrem, sem demora, e o cargueiro entra, ocupando praticamente toda a largura. A olho nu, imagina-se que sobrem cerca de 70 cm de cada lado. A água na eclusa sobe, elevando o navio. O espetáculo é fascinante, pela eficiência e grandiosidade. Embarcações projetadas com as dimensões máximas exigidas para a utilização do canal são chamadas Panamax: 294 metros de comprimento por 32,2 de largura e 12 de calado. Quando o cargueiro atinge a altura da segunda eclusa, as portas dessa se abrem, permitindo a passagem, e depois se fecham e enchem d’água, para o navio subir. A água escoa por registros apropriados e, quando está no mesmo nível dentro e fora da comporta, abre-se a comporta para o navio passar.

As comportas das eclusas triplas de Gatún têm 21 metros de altura e pesam 745 toneladas, contrabalançadas de forma a serem movidas por um motor de 30 KW.



Logo após o cargueiro, entra o Celebrity na primeira eclusa. Oito locomotivas são necessárias para conduzi-lo, distribuídas quatro à frente e quatro atrás, sendo quatro de cada lado. Nesse ponto, lembramos de descer ao deck 10 para tomar café, mas, tal como os outros passageiros, não conseguimos desgrudar os olhos do espetáculo que motivou a vinda até aqui, neste cruzeiro que partiu de Fort Lauderdale, na Flórida, e terminará em San Diego, em 14 dias de navegação.

Superada a terceira eclusa, o transatlântico segue seu curso em direção ao Pacífico, através do lago Gatún, acompanhado pelos dois rebocadores encarregados de prestar assistência, durante toda a travessia do canal. Às 12h30’, passa sob uma enorme ponte estaiada.

As margens do lago mostram a floresta pujante; em vários pontos, dezenas de máquinas pesadas trabalham, escavando os morros já desmatados, a fim de alargar o canal, estreito para o movimento crescente e para o tamanho dos novos navios, cada vez maiores. A certa altura, podem-se ver as obras de duplicação do conjunto de comportas.



O Celebrity passa pelas eclusas de Pedro Miguel, onde desce cerca de 9 metros ao nível do lago Miraflores, o qual separa as duas eclusas no Pacífico. Mais adiante, passa pelo conjunto duplo das eclusas de Miraflores. São 16 h da tarde, quando chegamos ao lado do Pacífico, que tem marés muito mais altas. Em virtude das acentuadas variações dessas marés, as eclusas de Miraflores têm as comportas mais altas do Canal do Panamá.

O navio passa sob a imponente Ponte das Américas e segue pela imensidão do Oceano Pacífico. Faltam palavras para descrever os sentimentos que me invadem. Melhor ficar quieta e conhecer um pouco da história desse Canal, recorrendo à internet e ao folheto fornecido pelo Celebrity, em espanhol ou inglês. Somos apenas 8 brasileiros neste cruzeiro, quatro casais, e pelo visto os responsáveis julgaram não serem necessárias as comunicações em português. Incoerentemente, recebemos um jornalzinho com notícias do Brasil, em português, todos os dias. Quanto ao roteiro e aos portos em que iremos descer, os folhetos relativos vinham em inglês; a pedido, passaram a vir em espanhol. Mas já está bom. Assim, vamos à história.

Diversos navegadores, através dos séculos, procuraram uma passagem entre o Oceano Atlântico e o Pacífico. Em 1520, o português Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa Espanhola, descobriu o estreito que leva o seu nome. A partir de então, a ligação entre os dois oceanos se tornou possível, mas a viagem era longa e perigosa, propiciando a que surgisse a idéia de um canal que ligasse os dois oceanos.

A primeira investida nesse sentido, de que se tem conhecimento, foi feita em princípios do século XVI, pelo rei Carlos I da Espanha, que encomendou um estudo sobre um atalho através do Istmo do Panamá, para acelerar o tráfico marítimo com o Peru. A idéia não teve sucesso, da mesma forma que outras, até o século XIX, quando foi cogitado de transportar as embarcações por ferrovia através do Istmo.

Em 1878, o francês Ferdinand de Lesseps, construtor do Canal de Suez, obteve uma concessão do governo da Colômbia, a quem a região pertencia nessa época, para iniciar as obras de construção do Canal. Mas o projeto não pôde ser concluído, pois os engenheiros não conseguiram solucionar o problema do curso do rio Chagres. As obras, iniciadas em 1880,com base na experiência do Suez, encontraram desafios imensuráveis com enchentes, desmoronamentos e alto índice de mortalidade dos trabalhadores devido a doenças tropicais, como a febre amarela e a malária. Em 1885, o plano original foi modificado, passando a incluir uma comporta. Após quatro anos, a companhia construtora desistiu.

A esse tempo, o presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, percebendo a importância militar e econômica que a posse do Canal poderia representar, interessou-se pelo projeto, começando as negociações com a Colômbia, a quem então o Panamá pertencia, para levar adiante o projeto de construção. Nessa ocasião, um artigo de jornal sobre a falsa erupção de um vulcão motivou os senadores americanos a apoiarem a construção de um canal através do Panamá, abandonando a idéia anterior de construí-lo na Nicaragua. No início de 1903, um tratado foi assinado pelos dois países, mas o senado colombiano não o ratificou. Conta a história que, nessa ocasião, numa atitude ainda hoje polêmica, o presidente Roosevelt apoiou os panamenhos em seus planos de emancipação. Em 1903, o Panamá, recentemente independente, concedeu aos Estados Unidos um contrato de 99 anos para construir e administrar o Canal.

De 1903 a 1977, o território da Zona do Canal do Panamá foi controlado pelos Estados Unidos da América, que construiu e financiou a construção do canal. O território era uma área de 1.432 quilômetros quadrados, dentro do Panamá, consistindo do Canal e de 8,1 km de largura de cada lado. Durante o controle da área pelos Estados Unidos, o território, com exceção do canal, era utilizado principalmente para fins militares, embora cerca de 3.000 civis (denominados “zonians”)lá vivessem como residentes permanentes. Um dos “zonians” mais ilustres foi John McCain, candidato republicano às eleições americanas de 2008.

Ao tempo da construção, que enfrentou inúmeros problemas, uma grande vitória do governo americano foi a erradicação do mosquito transmissor da febre amarela, que havia vitimado milhares de trabalhadores franceses, vitória obtida através de medidas sanitárias adequadas e melhores condições de higiene e de trabalho.

Em 1977, os Tratados Torrijos-Carter estabeleceram a neutralidade do Canal. De 1977 a 1999, o Canal esteve sob a jurisdição conjunta dos EUA e do Panamá. Em 31 de dezembro de 1999, o Canal passou ao domínio e responsabilidade do Panamá.

3 comentários:

Ruthe disse...

É uma verdadeira maravilha dizem todos que realizam este passeio. Imagino o que deve ser ao vivo e à cores!Vimos pela TV, em documentário, inclusive o alargamento do canal.Acredito que será uma viagem inesquecível, por sua singularidade.
Espero mais notícias.

Beijos

Blog do Simeão disse...

Marta
Parabéns pela belissima aula de geografia e também ao fotógrafo, pelas ótimas imagens. Ao clicar em cada uma delas, obtemos uma cópia ampliada e ela passa de 200 x 150 pixels (8 KB) para 1500 x 1200 (347 KB). Está faltando um GPS para coletar trilhas, rotas e pontos dessas viagens.
Aqui tem chovido muito e, no Rio Branco, a agua está na beira da rua principal. A previsão é que virá uma de 100 a 180 mm.
Aproveitem o belo passeio e parabéns pelos netos que estão cada vez mais lindos. Recem vi uma foto do Max.
Simeão

Unknown disse...

Parabéns Marta!

A narrativa é perfeita! Palavras daqueles que estiveram contigo nesta viagem. É de botar água na boca para os que não estavam presentes. Consiguimos pelos detalhes da descrição, colocar um filme em nossas mentes e reviver todos aqueles momentos maravilhosos.
Parabéns! Gostaríamos de continuar viajando através de suas crônicas.

Edson e Monica
(Os amigos do Rio)

P.S. Lemos também as outras crônicas e as endossamos com os mesmos comentários.