Tantos Natais tenho em meu currículo, alguns cheios de alegria, outros envoltos em apreensão ou doces expectativas, um que outro amargo, algum pesado ao ponto de quase não poder ser levado, outro feito de risos, muitos saboreados com gosto, com a sofreguidão e o prazer com que se saboreia o melhor panetone. Todos válidos, porque parte da minha história. Não muito diferente da história de toda a gente, aliás.
Quem acumula alguns anos e não junta histórias? Só que a maioria não sai por aí contando as suas, como faço. Principalmente o lado desastroso as pessoas preferem não contar, talvez por imaginarem que só a elas acontece esse tipo de coisas.
Contudo, a vida seria muito chata e nem daria uma crônica, se tudo estivesse sempre certinho em seu lugar, como cabelo paralisado com laquê, fio por fio. O inesperado dá a nota dissonante, aquela que faz rir, anos depois, fazendo com que certo Natal se torne inesquecível.
Tendo vivido muitos Natais, teria muitas histórias de Natal para contar, desde aqueles da infância, passados no campo, até outros enfrentados em hospitais, acompanhando pessoas queridas, ou à beira da cama de alguém que partia. Mas a maioria foi alegre e prazeroso, não vou negar. Alegria e prazer forjados, algumas vezes, também não negarei. Como quando se decide “não vou deixar que isso estrague o meu Natal” e se segue em frente, como se o mundo não estivesse meio capenga.
Foi o que resolvi, naquele Natal em que o marido teve pneumonia e precisou ficar na cama, abatido, por quinze dias. Na véspera do Natal, o maior desânimo. Cear na casa da sogra, nem pensar _ compreendi. Avó amorosa, ela se propôs a levar os netos para a ceia e a entrega dos presentes, enquanto ficaríamos em casa, como era preciso.
Na hora combinada, veio pegá-los, surpreendendo-nos com uma travessa com peru e os acompanhamentos costumeiros, além de uma boa porção de torta de nozes. Para a alegria não ser completa, havia o desânimo do doente. Para complicar mais um pouco, ela não veio só. Pensando agradar, trouxe o casal de hóspedes, com os dois filhos pequenos. Esses, achando-se em casa desconhecida, puseram-se a correr e a abrir e fechar portas, causando certo tumulto. O cão pastor alemão, que estava preso na garagem, com porta para o ambiente onde as crianças estavam, alvoroçou-se com o barulho e começou a latir, freneticamente. A loucura correndo solta, o doente com cara de quem não ia agüentar, retirei o cachorro da garagem, passei-o para a copa e fechei a porta à chave, para as crianças não correrem perigo, caso abrissem a porta.
A copa tinha uma porta para o pátio e imaginei que o cachorro tivesse saído por ali, tão quieto ficou, para descanso de todos.
Após alguns minutos, as bem-intencionadas visitas saíram, a sogra levou as nossas crianças, inclusive, a paz e o silêncio voltaram. Aleluia! Falei “agora, vamos ter a nossa ceia particular” e fui buscar o peru, toda animada. Abri a porta da copa, entrei na cozinha, onde havia deixado a travessa sobre a mesa, na pressa de atender visitas, crianças e cachorro e “cadê o peru”? A travessa estava limpinha e bem lambida, o que explicava o silêncio com que o cachorro nos presenteou e o seu sumiço no pátio, sinal de culpa assumida. Até a torta de nozes se fora, no impulso famélico.
Peguei na geladeira o que sobrara da galinha assada do almoço, abri uma lata de compota de pêssegos, arrumei na bandeja e levei para o doente, que achou o cachorro muito esperto e só faltou perguntar “querias cachorro bobo”?
3 comentários:
D. Marta, é um deleite para mim ler tuas crônicas, leio todas aliás. Sinto muito prazer em trabalhar e conviver, um pouco que seja, com vocês, uma família incrível que admiro muito! Um feliz Natal para todos!
Denise Bicca
Adorável história de Natal!O Henrique tinha razão - nada de cachorro bobo!Afinal de contas ele fazia parte de uma família inteligente, que sabia oque era bom!!!
Beijos e abraços NATALINOS!
Oi Marta!
Gostei muito desta crônica especialmente, pois ela me remeteu a um passado distante da minha meninice. Mal conseguia resar durante a Missa de Galo, com vontade de comer(não se podia comer nada antes da missa)para depois da ceia em família, deixar os sapatos ao lado da cama e acordar com o Papai Noel deixando presentes que, óbvio só encontraríamos de manhã.
Grande abraço. Gilberto Alves.
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