23 de jan. de 2010

Nada simpático

Nunca tive simpatia por Schopenhauer, devo confessar. Impliquei com ele de saída, só por aquela frase: “As mulheres são seres de cabelos longos e idéias curtas”. Mas, encontrando na gôndola do supermercado o seu livro A Arte de Escrever, não resisti à oportunidade de “beber da sua sabedoria”, como talvez se dissesse em seu tempo, lá por 1800 e tantos.

Em primeiro lugar, que homem mal-humorado! Com razão foi chamado “filósofo do pessimismo”. Crítica era o seu prato preferido. Mas, independente disso, a sua escrita é preciosa, com ilustrações de extrema simplicidade, exemplos que nos fazem entender perfeitamente o que pretende dizer. E que pensador profundo, embora em muitas questões não tenha concordado com ele, o que já dimensiona a sua capacidade de irritar.

Por seu critério, por exemplo, eu não deveria estar comentando o seu livro. Aliás, nem deveria tê-lo lido. Em sua opinião, em vez de ler, as pessoas deveriam procurar desenvolver seus próprios pensamentos; ler os de outros seria bloqueio aos próprios, pois passariam a ter a opinião do autor. Vindo do responsável pela frase citada acima, a idéia seria coerente, se ele se referisse apenas às mulheres, com as tais “idéias curtas”, mas ali ele extrapolou, falando de maneira geral.

Ao contrário do seu modo de entender, considero que ler pode ajudar a clarear as idéias. Como ocorreu com a leitura do seu livro, que é do tipo que perturba como um mosquito zunindo no ouvido, logo que se apaga a luz para dormir.

Inicialmente, ele classifica os autores em três tipos: os que escrevem sem pensar (a partir da memória, das recordações ou de livros alheios), essa a classe mais numerosa; os que pensam para escrever (pela necessidade de atender aos compromissos ou para fabricar livros), esses também numerosos; os que escrevem porque pensaram, esses raros.

Generalizações pecam pela imperfeição. Imagino que a maioria dos autores circule entre as três categorias, ora propensos a uma reminiscência, ora dispostos a partilhar os seus pensamentos. Grandes escritores, em algum momento da vida, preferiram se ater à sua realidade, contando passagens da infância ou da juventude ou histórias vividas em lugares inusitados. Também não se pode imaginar que “nem precisem pensar” aqueles que escrevem a partir das suas experiências.

Concordo, contudo, em que essa técnica é diferente da criação pura e simples, que talvez requeira outro tipo de dom, mas a opção é legítima, se for do agrado do autor. Inclusive porque os leitores também são diferentes, até conforme a faixa de idade. Quando jovem, por exemplo, apreciava romances de ficção. Com o tempo, o gosto mudou, ao ponto de agora preferir biografias. Nessa linha de preferência, prefiro que as coisas não se misturem, para não colocar falsas idéias na cabeça do leitor; que a ficção respeite as biografias e não se aventure pelo seu terreno, utilizando nomes reais em histórias imaginadas, e as biografias se atenham ao seu papel, sem tentar romancear a realidade.

Mas isso são preferências e cada um tem as suas. Schopenhauer insultou e desconsiderou os outros filósofos, os autores alemães, de maneira geral, e a própria língua alemã. Admitido, em 1820, como monitor da Universidade de Berlim, escolheu para as suas aulas o mesmo horário utilizado pelo seu maior rival, Hegel, dos mais respeitados professores da Universidade de Berlim. Para seu despeito, somente quatro ouvintes prestigiaram as suas aulas, levando-o a renunciar à Universidade, ao final do primeiro semestre.

Outro fato muito interessante sobre Schopenhauer é a atualidade de suas idéias, todas perfeitamente adaptadas ao nosso tempo. Sobre a literatura, por exemplo, os conceitos emitidos por ele são os mesmos ensinados ainda hoje nas oficinas literárias, sem que seu nome seja citado.

Mas, nos últimos anos de vida, Schopenhauer teve o reconhecimento merecido, tornando-se o ídolo das novas gerações. Dessa forma, em sua própria história, provou a teoria de que só os escritores impulsionados “pelas próprias coisas” (considerando-se “coisas” como as idéias concebidas através de muito pensar), seriam os que permaneceriam e seriam imortalizados.

Assim, ignore-se o temperamento irascível de Schopenhauer, mas sejam aproveitadas as suas idéias, ainda hoje capazes de nos obrigar a refletir.

Um comentário:

Ruthe disse...

Realmente ele diz o que pensa e pensa mesmo, mas não nos conta nenhuma novidade.Schopenhauer seria classificado como um "anarquista", por seu modo de sentir as pessoas e o mundo - é o que acontece com os homens , que extrapolam seus sentimentos e teem a coragem de dize-lo. Como tudo tem dois lados, ficamos com o que tem de bom, aproveitável...