24 de mar. de 2010

Dever cumprido

Na maturidade, para alguns, o tempo começa a sobrar. As tardes se estendem, sem perspectivas; a noite o encontra insone, contando as horas até a madrugada, para levantar e voltar a fazer nada. Há muitas atividades onde a participação seria importante, mas isso vai contra um problema comum a essa etapa da vida: a acomodação.
De repente, alguém acha que já fez muito e agora merece descanso. Até merece, mas cuidado: a depressão é a conseqüência para quem deixa de se sentir útil. E a depressão afasta aos outros e traz a solidão, que por sua vez aumenta a depressão. Nesse circulo vicioso, perde-se tempo precioso.

No entanto, há tanto a realizar e onde participar, em qualquer idade e de acordo com as aptidões de cada um. É só olhar para o lado e aceitar os desafios, parar de dizer “não” a cada vez que alguém pede ajuda ou sugere alguma atividade. Parar de falar que está com o “dever cumprido” e se recusar a enxergar que, se o mundo gira, novas oportunidades e compromissos deverão surgir. Compreender que o dever pode ter sido bem cumprido hoje, mas amanhã decerto surgirão outros afazeres e áreas de interesse e isso poderá ser bom, se nos mantiver ativos e interessados.

Nos últimos cinquenta anos, a expectativa de vida aumentou 20 anos. Se considerarmos os dois últimos séculos, ela praticamente duplicou. Foi um tempo que ganhamos de presente. Agora, cada um precisa descobrir o que fazer com esse presente, como aproveitá-lo da melhor forma, fazê-lo render. Não vale ficar se comparando com o pai ou a mãe; tudo mudou, desde o tempo em que a cadeira de balanço era onde se esperava encontrar o vovô. Agora ele saiu para a rua, entrou na academia, tem sede de viver.

E, para nos sentirmos vivos, temos que aceitar os desafios que se apresentam, em vez de fugir deles. Passado o primeiro impacto, vencido o receio de não estar à altura da tarefa que nos é solicitada, descobrimos que as nossas experiências ainda podem ser de alguma serventia. Principalmente a esta altura, quando já não corremos o risco de que as coisas nos subam à cabeça e quando já conhecemos e aceitamos as nossas limitações.

Publiquei meu primeiro livro, Tempo de soltar as amarras, aos 59 anos. Na ocasião, quem ficou chocada fui eu, quando outra mulher, alguns anos mais moça, me cumprimentou pelo sucesso do lançamento, mas disse “pena que começaste tão tarde”.
Naquele momento, as palavras foram como um jato de água fria. Mas, tudo tem seu tempo certo e, se escolhi essa hora para começar a publicar o meu trabalho, foi porque estive ocupada, realizando coisas que julguei mais importantes.

Mas, se houvesse dado muita importância à frase, talvez ficasse bloqueada, como às vezes se fica.

Nesse caso, a receita é a gente não se dar muita importância, levar as coisas mais na brincadeira; fazer o melhor, mas aceitar quando as coisas saem erradas, apesar de toda a boa vontade.

Valorizar o tempo com que fomos presenteados é uma aprendizagem, que começa pela escolha das companhias e pela manutenção de comportamentos que nos façam crescer como pessoas, inclusive pelo corte de tudo o que nos fizer mal, sejam pessoas ou atitudes. Essa conscientização faz com que não se deixe nada para depois, nem as coisas boas que se pode apreciar, nem as ruins que se precisa enfrentar. Porque felicidade e paz de espírito a gente merece, com certeza.

Um comentário:

Ruthe disse...

Nunca é tarde para nada!Como dizes e muito bem, as coisas acontecem na hora certa: para alguns, cedo, para outros mais tarde, mas a validade é a mesma! Acomodação, jamais!Ser útil - que maravilha!
Beijos