Quando alguém, próximo a nós, recebe o diagnóstico de alguma doença da qual prefere nem dizer o nome, a reação é misto de choque e dor, como se uma tremenda injustiça houvesse sido cometida. Embora esse tipo de notícias seja comum, cada uma parece a primeira, tal o nosso estupor e revolta. Dirigidas contra quem, não se sabe. Mas o sentimento que costuma ocorrer, ao tomarmos conhecimento de novo membro para o clube dos lutadores, é de que isso não deveria acontecer, aquela pessoa não merece.
Verdade que, às vezes, precisando encontrar culpados, nos viramos contra o próprio doente: por que não parou de fumar? Por que não se cuidou? Sem considerar que, quando somos os atingidos, a injustiça assume proporções ainda maiores: que crueldade o que aconteceu conosco, logo conosco.
É fácil nos convencermos de que fomos injustiçados e assumir o papel de vítimas, principalmente se os outros _ por se sentirem culpados, por excesso ou falta de amor ou por outras razões, só suas _ contribuem para que isso aconteça. Mas vítimas extrapolam no seu papel, geralmente; com facilidade, passam a se achar o centro do universo. Vítimas não se contentam com um agrado, a atenção possível no momento; querem sempre mais. De seres gentis, agradecidos pelo carinho manifestado, passam a exigir atenção contínua e cuidados constantes, logo considerados obrigatórios.
A moça à minha frente _ estopim para tais considerações _ parece desempenhar com sucesso esse papel. Deitada sobre o colo de outra _ amiga ou irmã, pouco mais velha que ela _ ocupa parte do sofá, na sala de espera, atraindo olhares de pena. A outra acaricia, ininterruptamente, a cabeça com a careca exposta (está em quimioterapia, portanto), ela também a imagem da dor.
Ao redor, várias pessoas aguardam a vez de serem atendidas, todas quietas, consternadas. Cada uma com a sua história, o seu drama, os seus problemas. Como todos que circulam nas ruas, aliás, alguns com dramas bem maiores que o diagnóstico de um câncer com possibilidade de tratamento. Por isso me irrita a sua ânsia de despertar atenção e piedade, sugando forças de quem talvez as esteja reunindo para sobreviver; ao nosso redor, quantas vidas se esfacelam, sem que tomemos conhecimento, porque as pessoas são dignas, fortes, altaneiras e não vivem se queixando?
Como a senhora que entrou, naquele dia, na cabeleireira onde eu estava, ela com hora marcada para arrumar o cabelo e fazer as unhas. Surpreendi-me com a sua presença, pois sabia que o marido estava hospitalizado, em estado grave. Conversamos coisas banais e, com naturalidade, apesar do olhar triste, ela contou que estava no hospital, com o marido, mas o deixara com a enfermeira contratada, pelo tempo exato para vir se arrumar. “Não gosto de parecer no fundo do poço” – disse.
Todos esses que passam por nós, ou com quem nos encontramos, possuem seus dramas, suas mazelas, histórias que preferem calar, para ter forças de seguir em frente. Em respeito a cada um e a todos, as “vítimas de plantão” poderiam aceitar a sua carga e carregá-la com dignidade, sem sobrecarregar a quem decerto já tem a sua para levar.
Inclusive porque, tornando-se mais leves, é provável que tenham mais companhia.
Um comentário:
Concordo plenamente com tudo o que foi dito. Já passei por muitas mazelas, mas ninguém ouviu lamúrias e asim a casa estava sempre repleta de amigas, que não vinham me cuidar,sentir lástima, mas sim colocar o assunto em dia e até rir bastante, com piadas legais. Caso contrário, a casa não teria a maravilhosa, presença delas!
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