22 de ago. de 2010

Perdão e justiça

Na parte interna da porta do guarda-roupa, colei um recorte de jornal, há muitos anos, com pensamento atribuído ao Talmude: “Quem é misericordioso com as pessoas cruéis acaba sendo cruel com as pessoas misericordiosas”. Também há muitos anos, alguém que eu respeitava ensinou, sem pensar que ensinava: “Não há nada mais injusto que tratar de forma igual a pessoas desiguais”.

Muitos de nós, ao contrário, criados nos preceitos cristãos, fomos motivados, desde cedo, a “oferecer a outra face”, como fez Jesus, segundo a Bíblia. Por isso, quando alguém se recusa a perdoar, é comum ouvir que é preciso fazê-lo, porque o rancor e a mágoa fazem mais mal a quem os carrega do que a quem os provocou, o que é pura verdade. Mas não perdoar nem sempre é sinônimo de ficar se martirizando, arrastando um rancor. Alguém pode simplesmente resolver que o perdão não é válido, em determinada situação, e virar a página, seguir adiante, sem se incomodar com o que não merece incômodo.

E oferecer a outra face, para quem não almeja a santidade, pode parecer permissão para seguir apanhando.

A revista Veja, em edição passada, levantou uma discussão sobre o perdão, trazendo à tona alguns casos em que ele foi concedido e outros em que os atingidos se recusaram a concedê-lo. Um desses foi o da dramaturga Gloria Peres, mãe da atriz Daniela Peres, assassinada por Guilherme de Pádua e sua mulher.

Em inúmeros casos do cotidiano _ traições de amigos, infidelidades conjugais, puxadas de tapete e outros _ o melhor é enfrentar como for possível e depois seguir em frente, sem permitir que o erro de outrem nos atrele ao passado. Isso porque “a melhor vingança é ser feliz”.

O perdão é válido, quando alguém, ao se portar mal, for capaz de reconhecer o erro, assumir publicamente a sua culpa e procurar reparar o mal feito. Ofender em público e pedir desculpas a portas fechadas não vale. Nem ficar se repetindo, errando e pedindo perdão, contando com a misericórdia alheia. Sem contar que, além de certo limite, ela se transforma em fraqueza ou omissão.

Mesmo nessas condições, contudo, nem sempre o perdão pode ser concedido. Poderia, por exemplo, qualquer pai ou mãe perdoar o assassino de seu filho? Poderia qualquer pai ou mãe perdoar o estuprador de sua filha? Teria o direito alguém _ seja lá quem for _ de perdoar quem fizesse mal a qualquer criança?

O Papa João Paulo II perdoou ao homem que atentou contra a sua vida. Foi um gesto magnânimo, coerente com a filosofia do Papa. Sua Santidade tinha o direito de perdoar, pois ele fora o atingido. E, em muitos casos, é mais fácil perdoar quando somos os atingidos do que quando o mal for dirigido às pessoas que amamos.

Algumas vezes, não conseguir perdoar faz tanto mal que é melhor perdoar, pra poder seguir em frente. Mas a facilidade em perdoar, passar a mão por cima, remete ao início desta crônica. Quando os infratores são facilmente perdoados, qual a vantagem em se portar bem? Se alguém transgride regras, ofende, tripudia, e depois tudo volta às boas, graças à generosidade do ofendido, como se sentirão aqueles que sempre o trataram com consideração e respeito?

Perdão e justiça nem sempre combinam. Pessoas diferentes exigem tratamentos diferentes, até por questão de justiça. Mas, se essas questões fossem fáceis de resolver, ninguém guardaria um recorte de jornal envelhecido, para ser levado a pensar nelas, de vez em quando.

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