O motorista (ou a motorista) saiu rápido do estacionamento e, ao virar à direita, calculou mal a manobra e raspou feio na traseira do automóvel estacionado ali. O motorista (ou a motorista) acelerou mais e partiu, sem querer ver o estrago causado.
Um amigo me emprestou o livro “O melhor do mau humor”, de Ruy Castro. Fui lendo a esmo, distraindo-me com as tiradas filosóficas, até que parei nesta: “A consciência é aquela voz interior que nos adverte de que alguém pode estar olhando”. O pensamento era de H.L. Mencken, de quem eu nunca ouvira falar. Ignorância tem conserto, porém, principalmente hoje, com o advento do Google. Assim, cliquei para descobrir quem era o autor da frase que me impactara: Mencken foi um jornalista americano (1880- 1956) que fez escola, como crítico do comportamento social, conseguindo muitos seguidores, Paulo Francis e Ruy Castro entre eles. Esse último, aliás, reuniu as suas frases mal-humoradas no Livro dos Insultos, que só pelo nome já dá idéia do conteúdo. Google é cultura. Fui clicando e descobrindo mais sobre Mencken, pensador profundo, satírico, inconformado.
A tendência é detestar pessoas deste tipo, justamente pelo fato de nos colocarem um espelho à frente, quando menos esperamos. A gente está ali, lendo para se distrair, e leva um soco no estômago. Pronto, agora precisa pensar.
Quer dizer que um comportamento só fica errado se alguém estiver olhando? Se ninguém viu a nossa falta, podemos fazer de conta que ela nunca existiu? Deve ser isso o que passa pela cabeça de quem provoca um acidente, por exemplo, e escapa ligeiro, como se pudesse passar uma borracha no acontecido, ao colocar distância dele.
A impunidade estará garantida, “se ninguém viu”, e a consciência subordinada à circunstância de alguém ter presenciado ou não, quando ele (ou ela) fez alguma coisa errada ou teve um momento de distração.
Antes, passava idoneidade, quando alguém dizia, referindo-se a qualquer dissabor: “Eu, pelo menos, tenho a consciência tranqüila”. Com essa frase, a pessoa garantia “dormir o sono dos justos”, sem problemas de consciência, pela certeza de não haver feito nada errado. Eu mesma falei assim algumas vezes. Agora todo mundo garante “descansar a cabeça no travesseiro com tranqüilidade”. Conhecidos salafrários fazem tal afirmação, na maior serenidade. Parei de falar assim.
Mas acabo de entender, graças ao recém apresentado Menckel, o mal que atinge a tanta gente: é a síndrome do “será que alguém viu”? Porque, se ninguém viu, dá pra passar batido. A gente finge que não aconteceu, segue a vida numa boa e pode ser que até consiga dormir tranqüilo.
O perigo é quando alguém próximo _ um funcionário, um filho _ presencia a fuga à responsabilidade e aprende a lição. Aí o feitiço vira contra o feiticeiro e ele, em geral, não gosta. Some o dinheiro da carteira, o carro da garagem, tudo pode acontecer, quando lições são aprendidas com os exemplos errados. Afinal, em certas pessoas, a consciência só dói quando alguém vê.
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