Suas crônicas mostram intimidade com a terra e a vida no campo, na simplicidade com que trata temas espinhosos como relações humanas, amor, ciúme, inveja, dor e morte.
27 de dez. de 2010
É Natal, outra vez
Quando criança, o Natal era uma época mágica. Escrevíamos cartinhas para o Papai Noel, explicando, ingenuamente, a razão de não termos conseguido nos comportar bem, em determinadas ocasiões. Mamãe armava o presépio, coberto com “barbas de pau” que papai trazia do campo, e enfeitava a árvore de Natal sempre com os mesmos enfeites. Os tempos não eram de prodigalidade nem de consumismo, por isso não eram adquiridos novos enfeites, a cada ano. Quando muito, eram repostas as bolinhas quebradas, único recurso encontrado no comércio local para a decoração natalina, antes da chegada dos produtos importados.
Os pedidos, na cartinha, obedeciam ao bom senso materno: nem pensar em pedir coisas grandes (como a sonhada bicicleta, por exemplo), pois Papai Noel teria muitas entregas e o saco não podia pesar demais. Mesmo assim, nem sempre os presentes recebidos correspondiam aos pedidos, o que não importava, no momento mágico de pular da cama e descobrir o que viera.
Antes da televisão e das vitrines das lojas repletas de tentações, quando presentes chegavam somente no aniversário e no Natal (para quem podia), as crianças não tinham grandes ambições e sabiam criar suas próprias distrações.
Em certo Natal, recebi um livrinho com histórias de príncipes, princesas e muitas gravuras. Após manuseá-lo bastante, resolvi recortar as figuras, para brincar com elas. O papel era encorpado, de forma que fiquei com lindas personagens, com quem criei maravilhosas histórias, que me distraíram por longas horas, nas tardes de férias na Estância Santa Cecília. A casa era antiga, as paredes grossas, por isso o parapeito de uma das janelas do meu quarto funcionava como mesa para as minhas brincadeiras. Ali eu me postava, por horas a fio, no mundo imaginário onde todos os sonhos podiam ser realizados, a moldura da janela proporcionando a complementação do cenário.
Tantos natais passaram, tantos presentes maravilhosos me foram ofertados, nenhum desbancou o livrinho dos príncipes e princesas. No fundo do coração, nas lembranças mais queridas, cada um conserva “o seu livrinho”. Que pode ser um caminhãozinho de madeira, um soldadinho de chumbo, uma boneca de porcelana, uma caixinha de música. Algo que foi significativo.
Hoje, ouço adultos dizerem que o Natal perdeu a graça, por isso se desinteressaram de festejar, reunir, comemorar. Diante da conotação que a data adquiriu, a mim também, por vezes, tudo parece vão, como se nada se estivesse a construir. Para quê tanto esforço? _ a gente se pergunta, em meio aos preparativos.
Mesmo assim, ainda em viagem, pedi à funcionária que armasse a árvore e distribuísse pela casa os enfeites costumeiros, ao seu gosto, pois eu só chegaria a tempo de organizar os últimos presentes e a reunião. Quase junto comigo, chegou a neta. Saudosa da casa, correu por tudo, familiarizando-se, na alegria e necessidade dos seus dois anos.
Chegando à peça da entrada, ela viu a árvore e estacou, surpresa. “O Natal chegou, o Natal chegou!” _ começou a cantarolar, maravilhada. Neste Natal, aprendi que, melhor que armazenar lembranças, é ajudar a proporcioná-las, para encanto de alguém que um dia talvez nos inclua em suas prazerosas recordações.
martafscosta@gmail.com
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