Sentados à beira do fogo, observamos os cozinheiros voluntários nos preparativos para a refeição da noite. Após alguma discordância sobre o método certo de preparar camarões no bafo, alguém tomou a dianteira e optou por prepará-los na panela de ferro, no interior da cabana. Outra assume a tarefa de fritar os filés de traíra na frigideira colocada sobre a trempe, em cima das toras de eucalipto, que lançam labaredas alegres, das quais nossos olhos não conseguem se afastar.
Num acampamento, sobra serviço para todos, normalmente (quem não trabalha, não é bem-vindo), mas essa é a hora gostosa em que as lembranças brotam atiçadas pela caipirinha e pelo céu estrelado, onde a lua crescente parece pedir desculpas por não estar grávida, como a mulher que descansa a mão sobre a barriga, onde cresce o segundo filho. Ou será filha?
Chegam os camarões, deliciosos e enormes. A menina descobre, no céu, as Três Marias; pergunta se aquele barulho foi o corujão. A sineta toca, o homem corre a ver se há peixe na linha. Na volta, anuncia que, amanhã, se todos aprovarem, preparará fettucine com camarões. Diante do interesse geral em que continue a mostrar suas conhecidas habilidades, conta a primeira experiência como cozinheiro, em outra pescaria, quando adolescente. Fracasso total, principalmente pela idéia de estrear uma panela que herdara do irmão, sem saber que estava furada, por isso o arroz nunca ficava pronto e terminou sendo comido cru, tal a fome.
Neste Carnaval de 2011, alguns amigos foram para Punta Del Este, outros para a praia do Cassino, muitos optaram por permanecer em Pelotas, alguém foi ver ao vivo as escolas de samba do Rio de janeiro, houve quem resolvesse estender as férias em Guaratuba. Tantas opções. Após algum tempo de trégua, em virtude dos inúmeros acampamentos anteriores prejudicados por chuvas torrenciais, voltamos ao programa preferido, no Carnaval: acampar a beira da barragem, a poucos quilômetros de casa. Programa que facilita a atividade masculina, os homens continuamente se ausentando para acompanhar o ritmo da colheita do arroz, o movimento dos caminhões transportando a safra para os engenhos, os fardos de feno sendo preparados, a chegada do graneleiro novo. Carnaval em março coincide com a colheita.
Desde que, antes dos filhos nascerem, começamos a freqüentar o açude que fornece a água para o arroz, com a praia de areia e o grande mato de eucaliptos, passaram-se muitos anos. Na simplicidade de inúmeros acampamentos, amizades e amores se fortaleceram. Mas acampamento é programa pra quem aprecia a natureza, o convívio simples, as brincadeiras sem malicia, a semeadura de lembranças felizes. Momentos bons que devem ser cultivados, antes que a vida nos pregue alguma surpresa. Como as chuvas de marco que enfim chegaram, trazendo a tragédia a vizinha cidade de São Lourenço. Vidas e amores preciosos levados pelas águas, na enxurrada inesperada. Outros perderam bens materiais, duramente conquistados. Para todos, nesse momento de dor e espanto, sobram as lembranças armazenadas. Do fundo do coração, desejo que sejam muitas e que delas brote a força para sobreviver.
martafscosta@gmail.com
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