28 de mar. de 2011

Programa de índio

       Meu sogro nunca entendeu o nosso prazer de acampar.  A cerca de três quilômetros, ficava a casa confortável, a piscina com a água no azul perfeito, a mordomia dos funcionários _ tudo desprezado por aquela turma doida. Exaustos da obrigação de manter estruturas funcionando, cansados dos compromissos e das constantes solicitações, aguardávamos com ansiedade o Carnaval, para montar o acampamento e desfrutar por três ou quatro dias do sossego desejado.
     
A preparação para o acampamento incluía muito trabalho, dividido entre poucos. Basicamente, éramos dois os organizadores, com atribuições bem determinadas e cumpridas à risca. Com o maior prazer, diga-se de passagem. Isso porque a maior parte dos participantes eram crianças, filhos e amigos dos filhos, mais sobrinhos arrebanhados aqui e ali. Turma da pesada, com energia de sobra pra esbanjar e fome precisando ser saciada, após cada exercício.
     Por isso, os acampamentos se constituíam em festivais gastronômicos, com mais preocupação com a quantidade que com a variedade: churrasco de cordeiro, no almoço, tinha carreteiro feito na panela de ferro, como sequencia lógica para o jantar. Em outras noites, Bizo, o cozinheiro habitual, preparava camarões  com massa ou fritava filés de traíras, pescadas na véspera.  Ele ou algum outro abnegado, que acaso se apresentasse, preparava tudo no fogo de chão, aceso desde o amanhecer, aproveitando as grossas toras dos eucaliptos caídos, ao longo do mato. Aliás, a primeira atividade, ao chegarmos ao local do acampamento _ logo após varrer as muitas folhas, galhos e as bostas secas (gentileza dos bovinos que desfrutavam da sombra hospitaleira, na nossa ausência) _  era trazer, entre dois ou três, os pesados troncos abatidos pela força dos ventos.

     Para desobrigar o cozinheiro _ que às vezes parecia  precisado de descanso _ em alguma refeição, com certeza, eu traria da sede pastéis quentinhos ou, ao cair da noite, chegaria com um panelão de espinhaço de ovelha com arroz e outro de feijão com lingüiça caseira _ naquele tempo ainda preparados no fogão a lenha.
    
 Como sobremesa, saboreávamos brigadeiros, ambrosia com queijo e um tipo de queijadinha que fazia muito sucesso, além de proporcionar brincadeiras, em virtude do nome com que a receita me foi transmitida: “Passa um Flores da Cunha?” _ alguém pedia; “ O Flores da Cunha está muito gostoso” _ outro comentava.
     
Mas nem só de comida eram feitos os acampamentos de então. As águas extensas da barragem _ que chamamos “açude”, mas para outros seria um grande lago _ propiciavam esportes náuticos, por isso sempre havia alguém aprendendo a esquiar, o que despertava boas risadas. “Como faço a curva? _ perguntava o aprendiz otimista e alguém respondia “não te preocupa com isso”. Sabendo que, se conseguisse levantar, ele estaria com sorte. Dificilmente chegaria à curva, porém; não precisava se preocupar.
     
Enquanto isso, dois se aventuraram no barquinho a remos, outros nadavam. Alguém pegava o windsurf e, se o vento estivesse propício, quase seria perdido de vista, não fosse o olhar atento que o acompanhava, para o caso de precisar buscar com a lancha, caso o cansaço o vencesse, na condição de aprendiz.
     
Chegada a noite, após o jantar e muitos “causos” contados à beira do fogo, as várias barracas instaladas apeteciam ao descanso e eram aos poucos ocupadas pelos donos. Discretamente, retirávamo-nos para o conforto da casa, o banho quente, a cama limpa, deixando lá os filhos, na melhor companhia. A amiga riu, quando soube desse detalhe. “Que maneira prática de acampar” _ falou. Mas no dia seguinte, bem cedinho, estávamos de volta ao acampamento, ouvindo os elogios maravilhados ao “café de chaleira do tio Bizo”. E isso já é história que puxa outra, como os “causos” contados à beira do fogo, nas noites de tantos verões.


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