28 de mar. de 2011

Os heróis da nossa história

Comecei a leitura do livro 1808, de Laurentino Gomes, depois que todos já haviam lido e dispensado os maiores elogios. Num belo dia, me interessei pelo livro e, como a continuação, 1822, já esperava na mesa de cabeceira, optei por levar o primeiro como companheiro de viagem. Embora não fosse próprio para essa situação, sendo um livro pesado (a idéia era levar pouco peso na mala), a leitura valeu o sacrifício e a única pena foi ter acabado antes do final do cruzeiro marítimo, deixando-me “a ver navios”, verdadeiramente.

Relacionando o que ocorria no Brasil com os acontecimentos, na mesma época, em Portugal e em toda a Europa, a leitura se tornou de fácil compreensão. Graças a ela, alguns comportamentos arraigados em nossa cultura foram melhor compreendidos.

Mas, no momento em que João VI chegou ao Brasil e as coisas começaram a acontecer, um pouco por conta dos portugueses, outro tanto por culpa dos brasileiros, invadiu-me o sentimento de que “esse país não tem jeito mesmo”. Pela compreensão de que atitudes que nos chocam, vindas daqueles que detém o poder sobre o destino da nação, longe de ser novidade, são meras repetições das ocorridas há duzentos anos.

A história, como nos foi contada nos bancos escolares, era cheia de heróis, gente de valor, capaz de morrer por seus ideais. Crianças, espelhavamo-nos naquelas figuras, incentivados a seguir o seu exemplo de patriotismo. Os historiadores modernos, ao levantarem o pano e mostrarem as intenções ocultas sob feitos aparentemente admiráveis, estão desmitificando os heróis e mostrando o jogo de interesses, a promiscuidade, a corrupção, os conchavos _ tudo que sempre existiu. Quando acabarem de recontar a história, com a facilidade de acesso a documentos e bibliotecas hoje existente, não sei se sobrará algum herói para servir de exemplo.

O triste é isso: não foi a nossa geração que inventou tudo que se abomina, tanto na política como na vida social e comercial. Não que fosse motivo de orgulho pertencer à geração inventora da corrupção e do jogo de interesses, mas haveria menos conformismo (talvez esperança) se a invenção fosse recente. Como quando se percebe o desvio de rumo e ainda é possível corrigir.

Embora fascinante, como se vê, a leitura de 1808 me deixou triste. Contudo, entre inúmeros leitores que deram seus depoimentos sobre o livro (na orelha interna do 1822), a maioria elogiando a maneira acessível com que a história é apresentada, dois me despertaram a atenção. Uma professora da Carolina do Norte considerou-o “uma forma leve e divertida de contar a história, sem sofrimento” e uma historiadora do Rio de Janeiro disse que “é um livro que se lê com um sorriso nos lábios”. Acho que não entendi, então. Considerei 1808 uma leitura apaixonante, preciosa, mas triste. Sorriso nos lábios, só pra quem não fizer parte dela. História que se deve conhecer, verdade que se precisa encarar. Para descobrir, talvez, que não precisamos de heróis; sobreviveremos sem eles.

Mas sempre precisaremos de gente séria, disposta a fazer o melhor no seu dia-a-dia, como tantos que há por aí. Gente que não se deixe contaminar pelo “que todos fazem”, nem mude seu modo de pensar porque “sempre foi assim”. Gente que até se incomode, mas nunca se acomode.

martafscosta@gmail.com

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