11 de abr. de 2011

A melhor receita

Morreu José Alencar, o vice-presidente que cativou os brasileiros com seu jeito tranqüilo de mineiro bonachão, o sorriso maroto de quem sabe muito mais do que deseja expressar. Enfrentou o câncer como quem enfrenta mais uma dificuldade, um novo tropeço, um inimigo que brinca de esconder e, quando a gente quer acreditar que se foi, olha ele ali, atacando novamente. Inimigo deste tipo merece o tratamento que José Alencar lhe deu: apoio médico, obediência às regras e naturalidade, que ainda é a melhor receita.

Nada de ficar se queixando, considerando-se o último coitadinho do pedaço: “Porque eu? Puxa, eu não merecia”. Ei, amigo, porque não merecia? Acaso é melhor que alguém? O câncer, como a maioria das doenças, é muito democrático: atinge jovens e crianças, ricos e pobres, otimistas e depressivos. Dependendo das circunstâncias, pode causar muitos estragos, fazer da vida um inferno. Ou, ao contrário, dar à vida o sabor do chocolate que se dilui na boca, adoçando tudo, até acabar. Sem deixar saudade, porque satisfez.

Todo mundo sabe que cada minuto da vida é único, mas minutos, horas e dias preciosos se perdem em lamentações, discussões ou com o sujeito tão preocupado em sobreviver que nem percebe que perde o melhor da festa. Quando uma doença com fama de terminal, como o câncer, de repente se insinua, na verdade é uma sacudida para colocar tudo no lugar adequado. Coisas que pareciam importantes deixam de ser, outras passam a receber a merecida atenção; relacionamentos perniciosos são postos de lado, pela necessidade de dar ênfase ao que realmente importa; companhias agradáveis se tornam essenciais; mesquinharias, inveja, puxadas de tapete causam graça e pena de quem ainda está nessa; generosidade comove. Quando alguém percebe que os ponteiros do seu relógio começaram a acelerar, cada momento tem o sabor de um presente inesperado.
Mas cada um tem seu tempo e nada impede que outro despertador toque antes do seu. Quantos desavisados recebem o chamado quando menos esperavam e descobrem, nesse momento, que não estão preparados: tanta coisa para fazer, dizer, corrigir. Coisas que não serão feitas, ditas ou corrigidas, porque o tempo esgotou.

No entanto, desde o nascimento, o tempo que resta é uma incógnita. Se fossemos espertos, aproveitaríamos melhor cada minuto, com a certeza de que pode ser o derradeiro. Mas sem melodrama, autopiedade, vontade de chamar a atenção. Sem forçar a barra, obrigando todos à volta a sofrerem na expectativa de um desfecho que ninguém tem o poder de postergar ou modificar. Com naturalidade, se possível.
Dessa forma, segundo entendi, José Alencar viveu e morreu. Mas o que esperar de um homem com o seu currículo de trabalho, empreendedorismo e capacidade de enfrentar dificuldades? Viveu o suficiente para reconhecer dramas maiores, enfrentados por pessoas anônimas, em condições adversas, na maioria das vezes. O suficiente para entender que, a certa altura, a morte, complementação da vida, se torna um “privilégio”, como falou, quando começou a cansar. E que viver, para muita gente, é mais árduo que morrer. Por isso, sem se fazer de herói, com naturalidade partiu.

Um comentário:

Unknown disse...

querida amiga, muito boa esta cronica.
Acho que o Alencar foi um exemplo para todos e para quem trata com cancer uma ajuda sensacional, pois sempre o citamos como exemblo de bravura e coragem...
Fez tratamentos experimentais, ou qualquer tratamento recomendado e viveu muito feliz por varios anos. Particularmente eu o chamava de High Lander, como o dos desennhos infantis.