A pulseira era de prata mexicana, com um berloque grande: um peixe gordinho, com pedrinhas em verde vivo no lugar dos olhos. Usada sem maiores cuidados, certo dia foi notada a perda de um dos olhos do peixinho e aí você já sabe que a dona da pulseira passou a enxergar só o defeito, que a cada dia parecia mais gritante. Era colocar a pulseira e com três dedos da outra mão segurar o peixinho, para comprovar que continuava sem um olho (como se, sem ajuda, ele pudesse se recuperar).
Após algum tempo sem conseguir resolver o problema, exasperada, a dona pegou um alicate, abriu o elo do berloque e retirou-o da pulseira. “Que solução inteligente”, alguém ironizará e até concordo, mas foi a única que lhe ocorreu. E até que, por um momento, a sensação foi de alívio, como acontece quando a gente resolve cortar com o passado e seguir em frente, deixando os incômodos para trás. Só que, com isso, a pulseira ficou descaracterizada e terminou posta de lado; o peixinho foi esquecido em qualquer lugar e logo perdido.
Passado mais algum tempo, voltou a moda das pulseiras com berloque. A mulher lembrou-se da sua e a encontrou no fundo da caixa das bijuterias. Num Mea Culpa tardio, reconheceu que, com mais paciência e interesse, poderia ter dado um final feliz ao que transformara em drama. Mas por onde andaria o peixinho dos olhos verdes? Quem lhe teria percebido o encanto? Alguém teria compreendido que duas novas pedrinhas coloridas e um pingo de Super Bonder resolveriam a questão? Por que dera tanta importância ao pequeno inconveniente?
Sorriu de si mesma: “Pequeno inconveniente? Não foi o que pensei, quando preferi arrancar o peixinho. Mas agora é tarde, não adianta pensar nisso”.
E foi esse pensamento, “agora é tarde”, que a fez lembrar a história ouvida à tarde. Aquela história corriqueira do relacionamento que vai mal, não vale a pena lutar por ele, tentar contornar os problemas; mundos muito diferentes, cada um na sua, ninguém disposto a ceder ou olhar o lado do outro. Quando pequenos defeitos ou diferenças crescem ao ponto de abafar todas as qualidades ou pontos de união antes reconhecidos. História banal em que o olho do peixinho passa a ser o centro das atenções, causa de todos os aborrecimentos. Até que, esgotados, um ou os dois decidem que, já que a pedrinha verde foi perdida, o peixinho ficará sem olho e assim perdeu o valor. De comum acordo ou pela vontade de um, acabam o relacionamento, o namoro, o casamento, a amizade. Só pra descobrirem, algumas vezes, que a pulseira é que perde o valor, sem o berloque que lhe dá sentido.
Um comentário:
Linda e verdadeira tua crônica sobre o peixinho "caolho"...Uma pena que tantas vezes se coloque tudo a perder, por uma simples pedrinha....bjao
Postar um comentário