Quando viajamos, a casa segue funcionando normalmente: filhos entram e saem, chegam e partem; funcionários continuam com as atividades corriqueiras. Por isso, antes de cada viagem, preocupo-me em abastecer os armários com gêneros alimentícios e material de limpeza, adiantar o pagamento das contas, recolher as roupas da costureira, pegar as botas no sapateiro e tudo mais que lembrar. Algumas atividades serão consideradas ridículas por quem não tenha arraigado o espírito de dona de casa: imagine que tenho o cuidado de deixar vários rolos de papel higiênico de reserva, nos banheiros. Quer situação mais desagradável que o papel acabar, por descuido de quem deveria ter pensado no assunto?
Nessa linha de pensamento, pensei que a morte é a viagem mais certa e dessa não tem volta; bom seria se nos preparássemos para ela, na medida do possível.
Repentina ou anunciada, ela causa impacto e dor, como se a gente não soubesse, desde sempre, da impossibilidade de escapar. Quando se apresenta, deixa a todos perplexos e desamparados, à semelhança de um campo de batalha, em que os soldados atingidos vão caindo, aqui e ali, enquanto os sobreviventes se perguntam quando chegará a sua vez ou porque estarão sendo poupados. Consternados, buscam justificativas e explicações, sem querer aceitar o óbvio: a morte é certa. E vem sem hora marcada, não tem obrigação de mandar aviso nem de obedecer a regras: inverte a ordem esperada e a gente que agüente, sem ter a quem reclamar. Às vezes, _ só pode ser por brincadeira _ deixa escapar que a hora está próxima, o sujeito se prepara e ela leva o vizinho, que parecia tão saudável. Outros ela esquece, em cima da cama ou fora de si, por anos sem fim, castigando a quem os ama e cuida. A morte não tem jeito, como se vê.
Quando passa próxima, espicaça a curiosidade, suscita perguntas, como se o conhecimento de todos os detalhes ajudasse a evitar a situação. Protelar, pelo menos. Obriga a rever comportamentos, pra não cair na mesma cilada. Dá muito assunto, a morte. Tempo que se perde de pensar na vida.
Pois, pra não lhe dar demasiada atenção, optei por considerá-la como a derradeira viagem, exigindo uma organização especial, pelo fato de não permitir retorno para acertar o que houver ficado pra trás. Não será possível, por exemplo, recorrer ao celular para pedir que alguém veja se o lençol elétrico foi desligado, como deveria. Verdade que essas preocupações terão deixado de ser nossas, a essa altura da história, mas outras bem poderiam ser poupadas aos que ficam, quando merecem a nossa consideração. Sobrecarregados com as suas vidas, de repente são assoberbados com a desorganização de quem partiu: documentos importantes misturados com os primeiros rabiscos do caçula e por aí vai.
Mulher prática, comecei a organização pelas gavetas e pelos cabides, fui descartando o que não servia, fazendo a felicidade de outros; continuei pelos livros, tantos, que jamais tornarei a ler; peguei firme na papelada e essa foi a parte mais difícil, pela aceitação implícita _ no ato de descartar _ de que a nossa história só a nós interessa.
Compreendi que aquilo era apenas o começo: novos olhares proporcionam mais descartes. Aproveitando o impulso, descartei atividades supérfluas com as quais tempo precioso era perdido _ porque o tempo ganha a sua exata dimensão, quando pode ser pouco o que resta. Mas, com tantas organizações e providências, a bagagem ficou mais leve e a viajante soube que, mais que se preocupar com o tempo que resta até o final da estrada, vale apreciar a paisagem.
3 comentários:
Marta
Teu modo de ser é um ótimo exemplo a seguir: sempre prática e objetiva.
Pior que faltar o papel higiênico (e não ter uma ducha) é uma dor de barriga dentro de elevador trancado...
Lembro quando falei ao Padre Carlos Johannes sobre uma catorrita da Verônica que tinha morrido. Eu disse que as crianças não deviam pegar animais que, ao durarem menos anos que nós, acabam morrendo e trazendo choros e tristezas. O Pe Carlos me disse que isso faz parte do preparo e educação para as perdas que teremos durante toda a vida.
Muitos outros já foram antes de completar os 50 ou 60 anos enquanto que nós continuamos. Os bons amigos e as horas alegres que passamos juntos, servem como premio para essa caminhada.
Marta,se me permites vou expressar a minha maneira de pensar sobre a morte.
nossa vida não acaba, simplesmente passamos para outro plano...nem tudo acaba,o dificil é viver..noutro plano encontraremos paz e amor.
Ao partir deixaremos saudades,mas no tempo certo poderemos visitar os nossos,podendo até ajudá-los,através de pensamentos de paz, amor e carinho.
Minha filha caçula teve um lindo sonho...estando a familia reunida na sede,no campo,ao passar no corredor, chamou-lhe atenção uma luz,chegando, viu o pai,sentado em sua cadeira no escritório...Pai..tu aqui? sim filha, venho sempre por aqui...estas bem? ele responde: sim e tenho estudado , leio muito,,para encontrar uma maneira de ajudar vces que estão se esforçando...
perguntou por nós e ela responde que estamos na sala; queres vê-las? ele responde que sim, mas se elas não me enxergarem? (ele sabia que tinha partido a pouco mais de 1 ano)vem Pai, vamos juntos,,la chegando a mais velha pergunta surpresa, Pai, tu aqui? ele abraaça a todas nós...e o sonho acaba...todas sentimos uma paz muito grande com esse lindo sonho,e sabemos que ele partiu em paz, tranquilo,através de nossas orações...ficou a Saudade....pensa amiga, e depois me conta, qual foi tua impressão...
Oração, sempre muita oração !!
Amiga, não me preocupa a morte, porque também penso que permanecemos, através de tudo o que fizemos e fomos. Preocupa a vida, algumas vezes, mas a essa também precisamos levar da melhor forma... E acredito que estão cuidando de nós, em outro plano, aqueles que amamos; pelo menos, essa esperança é muito confortadora.
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