Vez por outra, como já confessei, o pensamento parece aquele moleque sapeca, o Saci-Pererê. Quando menos espero, ele sai na disparada, parecendo pular numa perna só. Menos mal que, por um resto de consideração, espera que complete a crônica em andamento, antes de se mandar a mil por hora, saltitante e feliz.
Na intenção de distrair, ele me pega pela mão e saímos os dois a pular de lembrança em lembrança, num passeio imperdível. E, num instante, estou na Fazenda da Figueira, novamente, dessa vez preparando a recepção para um grupo de ingleses e australianos, que manifestaram interesse em conhecer uma empresa rural, representativa da economia do extremo sul do Rio Grande do Sul.
A companhia turística, agradecida pela boa vontade em receber, informa que não é necessário oferecer nada aos visitantes, pois o ônibus virá da cidade de Bagé, onde os turistas terão almoçado, e depois seguirá para Pelotas, onde lauto jantar está programado. Mas imaginar que, numa estância, visitantes programados possam chegar e sair com um copo de água é duvidar da hospitalidade gaúcha. Assim, considerando o horário em que o ônibus chegaria, prontificamo-nos, a nora e eu, a preparar um agradável chá, ao ar livre, aproveitando que o parque estava bem cuidado, gramado verde e aparado, canteiros floridos, o que nem sempre se tem a sorte de ocorrer.
No dia combinado, à tarde, o ambiente foi preparado, sob os toldos brancos e os guarda-sóis coloridos, pois o sol estava forte: uma mesa grande para o chá e os acompanhamentos; mesas menores e cadeiras para o pessoal relaxar, por se tratar de pessoas de mais idade; toalhas verdes e vermelhas; um arranjo floral sobre a mesa maior. Com o cenário preparado, voltamos ao interior da casa, para tratar dos últimos detalhes.
Nesse momento, o tempo “começou a virar” e o céu escureceu, prenunciando chuva grossa. Com bom senso, o funcionário perguntou se não seria melhor desarmar os toldos e guarda-sóis e retirar as toalhas. Sem acreditar que toda a nossa boa vontade recebesse como recompensa tal castigo, aceitei que retirasse as toalhas, mas deixasse o resto, pois não haveria tempo hábil para recompor o cenário, antes que turma chegasse.
Aí veio uma daquelas típicas chuvas de verão, tocadas a vento, arrancando galhos das árvores, levando por diante o que encontrasse. Voaram, retorcidos, os frágeis toldos e os guarda-sóis, o parque próximo a casa ficou prejudicado pelos galhos caídos.
Parou a chuva; um telefonema informou que os visitantes iam demorar; retomamos o serviço, no mutirão costumeiro, funcionários e nós a recompor o cenário, agora o chá transferido para o interior da casa, para evitar novos riscos. A mesa foi arrumada na sala de jantar, com bolos, bolachinhas, geleias, sucos e chá. Engolimos o desapontamento e consideramos que estava bem, para as circunstâncias.
De repente, o sol retornou, tímido. O telefone tocou, o ônibus demoraria meia hora para chegar. Olhamo-nos, a nora e eu: sem pensar muito, retomamos o mutirão de retorno ao parque, uns carregando toalhas, bolos, sucos, garrafas térmicas e jarras com leite, outros recolhendo galhos, secando calçadas, entre risadas e pressa. A sombra das árvores substituiu os toldos e o cenário ficou perfeito, como tudo que se faz com o coração.
Chegaram os estrangeiros, ficaram felizes com a recepção inesperada, saborearam sem pressa os quitutes, caminharam pelo jardim, querendo saber o nome de cada árvore, e jamais imaginaram o sufoco por que tínhamos passado. Só eu fiquei sem os toldos e guarda-sóis, que precisariam ser mais resistentes para enfrentar o otimismo e teimosia de certas pessoas.
4 comentários:
De vez em quando nos deparamos com desafios, que nos assustam, mas que resolvemos muito bem, depois de pensarmos um pouco.
Beijos da Ruthe
É uma delicia quando abro meu computador e tua crônica está lá, com chuva ou
com sol, sempre divertida....
Maravilhosa a crônica, o humor e a iniciativa. Bjs...
Realmente, tuas cronicas são uma delicia, nos transportam para dentro delas. Esta, está divertidissima. Hoje mesmo, me surpreendi ao fazer cara de surpresa quando o tempo mudou e a chuva chegou, e entregue a leitura quase me levantei para ajudar no mutirao, hahahaha...
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