16 de dez. de 2012

Só pra acertar os ponteiros


Estamos combinados, então: essa carga que às vezes pesa não é prioridade nossa. Todas as famílias possuem problemas, todas as casas guardam dramas, todos têm suas dificuldades. É isso aí, estamos juntos no mesmo barco, usufruindo da nossa condição humana. Ufa, que alívio saber que não é nada pessoal; não fomos escolhidos para carregar o mundo nas costas; acontece com todos, mais cedo ou mais tarde.

Sofrem as crianças, por vezes, no mundo que nos parece protegido e encantado, por não entender o dos adultos, cheio de desencontros e atribulações que fogem à sua compreensão. Sofrem os adolescentes _ e como sofrem! _ tendo que elaborar situações sentimentais, desavenças familiares, amigos que não se comportam como tal, além da espinha na ponta do nariz, da gordurinha saltando do jeans, das dúvidas sobre o desempenho sexual, quando chegar a hora. Sofrem todos, esporadicamente, uns mais que outros _ que nessa questão também não há justiça.

E aí cada um se apega a alguma tábua de salvação. Alguns se afligem, aumentando a ansiedade: novo ano é sinônimo de nova vida, querem mudar, virar a página, mas cadê a coragem? E o pior é que o mundo pode acabar _ estão anunciando _ e a gente não sabe como será; nem fez nada do que almejava e agora o tempo acabou.

Calma, pessoal: a cada minuto, o mundo acaba para alguém, que fecha os olhos, pela última vez, a maioria sem estar preparado, como se nunca houvesse pensado nisso e como se não fosse a coisa mais certa, desde o nascimento. O mundo está sempre acabando, desmoronando, saindo de órbita, mas é muito pouco provável que termine de vez, pelo menos por enquanto.

Mas, receosos do futuro, quando a situação aperta, cada um se vira como pode. Alguns se apegam à esperança, como lembra o médico, contando a história do paciente que, considerando-se em fase terminal, preferiu desistir, simplesmente. Ao lhe ser oferecida a possibilidade de um transplante, contudo, a família surpreendeu-se com a volta à vida: fez a barba, arrumou-se, voltou a conviver com os amigos.

Esperança é remédio eficaz, com certeza. Ilusão a que se apega quem acredita que as coisas podem cair do céu, sem exigir esforço. Alguns sobrevivem de esperança, olhos fechados para o mundo à volta. Outros preferem enfrentar a realidade, fazendo o possível para melhorá-la, sem muito estresse. Apenas por estar ciente de que cada um possui a sua carga e a maneira de levá-la faz toda a diferença.

Deixar de fazer a barba, esquecer o banho, não se olhar no espelho é vontade de castigar os próximos, sobrecarregá-los com a culpa de estarem sadios, alegres, cheios de ânimo. Quem não se cuida declara o fim do seu mundo, antes da hora que lhe caberá. E o pior é que, se os seus amores não estivessem de bem com a vida, seria maior o sofrimento do infeliz.

Mas o pior de tudo, cá entre nós, é a energia que as pessoas que se julgam com prioridade no sofrimento roubam dos outros, daqueles que se esforçam para seguir em frente. Daqueles que procuram administrar suas dificuldades, dando-nos a ilusão de que nada lhes pesa. Só por estarem cientes de que o barco, ainda que seja o mesmo, exige de alguns tanta força nos remos que a gente nem sabe como eles conseguem.

4 comentários:

Angélica Souza da Luz disse...

"Li,e adorei.Muito verdadeiro! Beijos!"

Ruthe disse...

Acredito que a aceitação de nossas limitações, é o caminho certo, para uma vida feliz!
Beijos

Maria Lúcia Drummond disse...

"Que sabias palavras!"

José Henrique Schaun disse...

"Marta, nos encantas com tuas crônicas....obrigado por nos conscientizar que não somos únicos com problemas. Mais uma vez: Obrigado, do Zé H. e Celi."