26 de ago. de 2006

O ciclo destrutivo

No meio daquele programa televisivo a que já me referi, o comportamento da mulher entrevistada mudou. Depois de muito reclamar do filho do primeiro casamento do marido, confessou que o detestava; a sua simples presença bastava para irritá-la. Não que o rapaz tivesse alguma culpa, disse.

Lá pelas tantas, descobriu que, na verdade, o rapaz não era o culpado; culpado era o seu próprio pai, que a abandonara quando pequena, sem nunca dar notícias. O pai não a amava, terminou, num sussurro.

O programa continuou, muito bem levado pelo responsável. Do lado de cá da telinha, ficamos os telespectadores, envolvidos no drama de uma mulher desconhecida, espalhando infelicidade à sua volta, por conta do amor de que foi privada na infância.

Crianças e jovens subestimados pelos pais crescem sob o estigma da desvalorização; adultos, estabelecem relacionamentos em que a situação se repete, por não se acharem merecedores de sucesso. Mulheres que não receberam amor do pai costumam ter maridos que também as desvalorizam, pela certeza adquirida de não serem dignas de amor e respeito.

Pai e mãe podem ser figuras inspiradoras. Também podem representar âncoras que nos prendem a algum lugar infeliz no passado. Alguns abandonaram seus filhos, outros nunca desejaram conhecê-los, outros ainda permanecem juntos, mas conseguem infernizar cada momento em comum. Mesmo aqueles que se esforçam para fazer tudo direitinho podem deixar marcas terríveis, sem disso se aperceberem. Numa longa convivência, sobram ofensas desnecessárias e momentos de omissão involuntária.
Adultos de cabeça branca sofrem pelas coisas que pais e mães fizeram. Pais mortos e enterrados ainda apontam dedos acusadores, com cobranças desmedidas. As vítimas dos maus tratos e da falta de amor crescem, formam famílias e começam a fazer os seus estragos, perpetuando o ciclo.

_ Qual é o problema? _ perguntou o entrevistador, no programa da TV, já meio irritado com a mulher que maltratava o enteado, por ter sido abandonada pelo pai.

_ O problema é que eu não consigo deixar de amá-lo _ ela disse, em lágrimas, transformada na menina desamparada que continuava a ser.

_ Você não precisa deixar de amá-lo, só tem que aceitar que ele não te ama – finalizou o apresentador, em tom que me soou ríspido. ”Só tem que crescer”, pareceu dizer.

Em algum momento da vida, o sujeito precisa resolver que o fato de não ter recebido amor dos pais não é problema seu. Erros e omissões dos pais são problemas deles, livrem-se os filhos de todas as culpas. Mamãe jamais falou um elogio? Papai não prestava? Nunca te procurou? Eles é que terão de conviver com isso. O conselho dos especialistas é: chega de sofrer pelo que passou.

Para ajudar no processo de compreensão das armadilhas preparadas pela vida, pode ser suficiente um ouvido amigo ou talvez seja necessária ajuda profissional. Só não vale ficar infernizando o convívio familiar, com desculpas de que fomos mal amados.

Mas cada pessoa escolhe como prefere viver. Quem quiser ser amargo e infeliz sempre achará razões para ampliar o ciclo destrutivo. Quem for esperto e descolado, soltará as âncoras, para navegar livre por onde o destino o conduzir.

3 comentários:

Anônimo disse...

Marta!
Sou totalmente contra à lamúrias -não levam a nada! As pessoas se afastam e o problema continua - ignorância...
O que nos aflige deve ser resolvido e não recolhido.
Beijos

Anônimo disse...

Marta!
Sou totalmente contra à lamúrias -não levam a nada! As pessoas se afastam e o problema continua - ignorância...
O que nos aflige deve ser resolvido e não recolhido.
Beijos

Sergio Grigoletto disse...

Marta!

Simplesmente ótimo.