6 de out. de 2006

Memória curta

No ano de 2005, por sucessivos dias e noites, permanecemos em frente à TV, sem conseguir desgrudar os olhos das cenas que escancaravam a corrupção na classe política brasileira. Enquanto “malas e cuecas entupidas de dinheiro viajavam na bagagem da impunidade” _ como lembrou a Ana Carolina, no show que os internautas repassaram sem cessar pela internet _ o orgulho nacional afundou na lama.

“É preciso dizer ao mundo que não compactuamos com essa política sórdida” _ dissemos uns aos outros, enojados. Confortou-nos a esperança da revanche, quando as urnas dariam o recado do povo brasileiro, repudiando os nomes de todos os envolvidos nas transações vergonhosas.

Mas eis que chegou o esperado dia da votação. Perplexos, milhões de brasileiros acompanharam o desenrolar da apuração, vendo as estatísticas apontarem a vitória da omissão. Qual o critério para manter no poder o chefe que nada viu, nada ouviu, nada sabe? No emprego mais humilde, isso seria motivo para demissão, no mínimo por incompetência. Na presidência da república, não tem importância.

Tímida, a esperança ressurgiu, com a concretização do segundo turno.

Contudo, o incrível ocorreu: foram reeleitos muitos deputados e senadores que tiveram os seus nomes manchados por falcatruas variadas; o ex-presidente Collor voltou à tona, desmerecendo o impeachment que recuperou o orgulho nacional; Maluf, recém-saído da prisão, tem licença renovada para fazer o que quiser. Como esses, muitos votos foram dados por brincadeira, protesto ou memória curta.

E a revanche, a resposta do povo à corrupção e à sem-vergonhice? Por que os oportunistas e desonestos não receberam o repúdio do voto, substituídos por novos nomes? Somos mesmo um país de sem-vergonhas? _ são as perguntas que doem.

E novamente a voz grave da Ana Carolina parece conter as respostas, quando diz: “Quiseram roubar a esperança do meu povo tão sofrido”. E continua: “Mexeram comigo. Pois, só de sacanagem, mais honesta ainda vou ficar: eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Vão dizer que deixe de ser boba, aqui se rouba desde Cabral. Vou responder que não importa, a minha esperança é imortal”.

Outros cantores e artistas usaram o seu prestígio e a condição de formadores de opinião para afirmar que a desonestidade é compreensível e normal. Até o momento de votar para o segundo turno, teremos bastante tempo para pensar sobre o país em que desejamos viver e onde queremos que nossos filhos e netos cresçam, se são esses os ensinamentos que queremos lhes transmitir.

Mas a nossa esperança também é imortal. Antes que as crianças e os jovens deste país passem a acreditar que desonestidade é esperteza, pois merece o prêmio da reeleição, vamos nos unir, os cidadãos comuns e indignados, a gente que paga as contas e cumpre os compromissos, e fazer valer a nossa crença num Brasil novo, onde honestidade, saúde e educação sejam as prioridades.

Como completou a Ana Carolina, no show que mostrou que não estamos sós: “Sei que não dá pra mudar o começo. Mas se a gente quiser vai dar pra mudar o final”.

Portanto, a continuação da história está nas nossas mãos. De preferência nas urnas, através do voto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Marta!
A Memória Curta é uma doença muito grave, que atinge milhares de pessoas, e por enquanto, não existe remédio para tal cura!Acredito até que, dificilmente, será encontrado o medicamento capaz de eliminar tal mal. É com grande pesar que escrevo este meu pensamento, que nada mais é do que vejo acontecer, num País tão lindo e generoso,onde tudo se plantando dá!
Beijos

Anônimo disse...

Sra Marta Fernandes de Souza Costa


Na minha opinião, acho importante conhecer os dois lados da moeda. Segundo a cantora Ana Carolina, em seu show, mostrou que não estamos sós: “Sei que não dá para mudar o começo. Mas se a gente quiser vai dar pra mudar o final”. Não dá para mudar o começo de oito anos de poder do PSDB no Governo Federal e muito menos 16 anos (segundo a última eleição) no Governo Paulista. Mas dá para mudar o final, pois o outro candidato que passou para o 2º turno das eleições, que concorre com o atual Presidente, está enquadrado nos mesmos moldes de “ética” que assola o país, é só verificar as notícias abaixo e não deixar que a nossa memória curta, somente, lembre dos fatos que ocorreram em um dos lados da atual vida política.

O QUE ALCKMIN JÁ FEZ POR SÃO PAULO

ROMBO DE 1,2 BILHÃO NAS CONTAS DO ESTADO
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1160666-EI306,00.html

"Ex-governador de São Paulo e candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin deixou um rombo de R$ 1,2 bilhão nas contas do Estado, segundo a colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo .
(...)"

MENSALÃO TUCANO
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u76962.shtml

"O governo Geraldo Alckmin (PSDB) direcionou recursos da Nossa Caixa para favorecer jornais, revistas e programas de rádio e televisão mantidos ou indicados por deputados da base aliada na Assembléia Legislativa.
(...)"

BARRANDO UMA DAS 69 CPI´s
http://www.estadao.com.br/ultimas/nacional/noticias/2006/mar/28/345.htm

"Apesar do discurso do governador, feito pela manhã, o comportamento da base de sustentação de Alckmin na Assembléia foi outro. À tarde, a oposição denunciou uma operação abafa na Casa para impedir a criação da CPI da Nossa Caixa.
(...)"

INGERÊNCIA NAS LICITAÇÕES DA NOSSA CAIXA
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=258037

"A investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo sobre os negócios da Nossa Caixa foi instaurada para apurar a suspeita de que a sindicância interna abafaria o caso, apontando um "bode expiatório" para encobrir irregularidades também atribuídas à cúpula do banco.
(...)"




MAIS FAVORECIMENTOS POLÍTICOS
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=257278

"O Ministério Público do Estado de São Paulo abriu procedimento criminal preliminar para apurar denúncia de prorrogação ilegal dos contratos de publicidade da Nossa Caixa -banco do governo paulista- com as agências Full Jazz e Colucci entre 2003 e 2005.
(...)"


PRIVATIZAÇÕES, UM CAPÍTULO À PARTE

1. LINHA AMARELA DO METRÔ
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/news_item.2006-08-21.519
8206917

2. EMPRESAS DE ENERGIA, GÁS, SANEAMENTO
http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12076

"Ao contrário do discurso padrão do "ajuste fiscal", a dívida do Estado cresceu R$ 34,8 bilhões desde 1996, quando começaram as privatizações. Ao mesmo tempo, investimento na área social caiu a um terço de 1991 a 2004, mostra estudo.
(...)"

3. NOSSA CAIXA
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u53749.shtml

"A entidade conseguiu a liminar ao apontar várias irregularidades, entre elas, a inexistência de aprovação do edital de venda por parte da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), exigência indispensável nos termos da instrução CVM nº. 286, de 31 de julho de 1998.
(...)"

VÁRIOS MENSALINHOS MAIS DISCRETOS ABAIXO:

USANDO A GRANA PRA BANCAR SUA REVISTINHA
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77210.shtml

"A Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), empresa do governo de São Paulo, pagou R$ 60 mil a título de "patrocínio institucional" à revista Ch´an Tao, da Associação de Medicina Tradicional Chinesa do Brasil, presidida pelo médico Jou Eel Jia, acupunturista do pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin.
(...)"

FAZENDO SUCESSO COM O BEM PÚBLICO
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u117502.shtml

"O governo Geraldo Alckmin (PSDB) cedeu uma fazenda de 87 hectares --cerca de 54 vezes o parque Ibirapuera--, em Lorena (a 188 km de SP), à rede católica Canção Nova, ligada ao secretário da Educação, Gabriel Chalita.
(...)"


AJUDANDO O FILHÃO
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI957775-EI306,00.html

"Os filhos do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência e do médico acupunturista Jou Eel Jia são sócios em uma loja de produtos naturais, e pacientes do acupunturista seriam orientados a procurar a empresa da filha quando "não encontram ervas medicinais" receitadas. Na semana passada, a Folha de S.Paulo informou que uma revista de Jou Eel Jia, a Ch´an Tao, recebeu R$ 60 mil em publicidade da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista em 2005.
(...)"

AJUDANDO A ESPOSA LÚ
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77217.shtml

"A Nossa Caixa adquiriu, em duplicidade, 500 fornos a gás por R$ 400 mil para doação ao programa das padarias artesanais que Lu Alckmin criou ao presidir o Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo. O banco foi acusado de ocultar os registros dessa despesa adicional. A Nossa Caixa afirma que houve "problemas de especificação" dos fornos.
(...)"

MAIS DA PATROA LÚ
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77176.shtml

"A Assembléia Legislativa de São Paulo vai investigar as doações de roupas que foram feitas pelo estilista Rogério Figueiredo para a primeira-dama do Estado, Lu Alckmin. O estilista revelou à Folha que já doou 400 peças de alta-costura para a primeira-dama.
(...)"

Chega de ilusões. A ética não está presente em nenhum dos dois lados, então é melhor refletirmos e decidirmos no 2º turno, qual é o candidato que atende mais aos nossos anseios; e que mudou este país para uma das mais baixas taxas de inflação dos últimos anos, um país reconhecido internacionalmente e que atingiu uma menor taxa do índice de pobreza (ou não!!!).

Abraços

Angélica Trivelato de Angelo – Leitora da Tribuna Impressa
Araraquara,7 de outubro de2006.

Marta disse...

Prezada Angélica,

Gostei da sua reação, sinal de que esta crônica atingiu o objetivo principal: não podemos perder a capacidade de nos indignar.
Ainda lembrando a Ana Carolina: “mexeram conosco”. E se mexeram, Angélica, não deveríamos deixar barato, achar tudo normal, baixar a cabeça, aceitar a corrupção e a desonestidade generalizadas.
Infelizmente, ao reeleger tantos políticos envolvidos em transações duvidosas, acho que foi isso que fizemos. Parece-me que perdemos uma boa oportunidade de mandar o nosso recado, dando um Basta à sem-vergonhice.
Independente das convicções políticas, todos merecemos melhores governantes. Mas acho que o caminho é este mesmo: procurarmos nos informar, averiguar o que há de verdadeiro em cada notícia e elevar bastante o nosso patamar de qualidade. Depois, votar naquele que cada um considerar o melhor candidato. E torcer para que ele, se eleito, não nos envergonhe.
Por isso é bom que a nossa esperança seja mesmo imortal. Sem ela, pessoas idealistas como você e eu já teríamos desistido. E não podemos desanimar.
Um abraço da Marta

Lucio disse...

Olá Marta,
Li seu artigo hoje no DP.
Gostei da construção que você faz, jogando com um fato (falas da Ana Carolina) para falar de outro, "ética", penso que é nisso que encontra-se a potência de seu artigo.
Porém, em minha humilde compreensão, você fez uma opção despotencializadora do mesmo, em vez de aprofundar a radicalidade do discurso da ética política em direção a filosofia política, elevando o tema para além da eleição. Você optou, talvez por motivo do próprio discurso da Ana Carolina, jogar o tema para o alto, mas logo após lhe colocar amarras: na ética, com a corrupção pública, na política com períodos eleitorais. Chegando quase a transparecer uma opção eleitoral para o 2º turno, algo que portanto acaba desabonando a potência inicial do mesmo que comprova-se por exemplo, na manifestação acima da "angélica".
Mesmo assim, parabéns pelo artigo.
Lucio Uberdan