11 de mai. de 2007

Uma visão idílica do campo

“Lá em São Paulo, não temos idéia do que vocês passam”- falou o hóspede, na primeira vez em que visitou a propriedade rural, localizada no extremo sul do Brasil, quase na fronteira do Uruguai. Olhou a paisagem prejudicada pelas grades de ferro nas janelas e, curioso, perguntou a razão.

“Temos uma visão idílica do campo” – afirmou, entristecido, ao saber que as grades haviam sido colocadas após o assalto armado ocorrido na fazenda vizinha. Como prevenção, mas com grande pesar, pois a paisagem linda merecia melhor moldura.

Interessado, o hóspede desejou conhecer mais sobre a realidade rural.
Percorreu as lavouras no final da colheita do arroz, viu a soja à espera de ser colhida, observou a tecnologia empregada; apreciou o gado europeu e a criação de búfalos, achou graça na observação de que os sete burrinhos formavam o “Conselho Administrativo”. Saboreou o cordeiro assado no fogo de chão, à moda gaúcha, e soube que o rebanho ovino, antes extenso, foi restringido ao consumo doméstico _ a redução motivada pelo baixo preço da carne e da lã. Em certa época, a tosquia, com o pagamento dos esquiladores e do transporte do produto, consumia o pequeno lucro, inviabilizando o negócio.

Desejou conhecer a unidade de beneficiamento de sementes, onde admirou a tecnologia, eficiência e produtividade. Perguntou sobre expectativas para o futuro, oportunidades e riscos, e soube do planejamento estratégico com projeção para vários anos à frente.

Ao chegar, havia comentado que chegar à Metade Sul do Rio Grande, vindo de São Paulo, leva quase o mesmo tempo que ir a Portugal. Após desembarcar do avião, em Porto Alegre, pode-se embarcar no avião de linha, é verdade, mas é preciso esperar algumas horas no aeroporto. E isso se o passageiro estiver só com a bagagem de mão, porque o pequeno avião não comporta malas maiores. A outra opção é deslocar-se até a rodoviária e torcer para conseguir lugar no ônibus, com saída de hora em hora. Somado o tempo necessário, poder-se-ia ir a Portugal. No caso dos hóspedes paulistas, foram aguardados pela van contratada, para terem melhor impressão da região sul.

Mas o interessante – e a razão desta crônica – foi ver a nossa realidade através de outros olhos. Acostumados às dificuldades enfrentadas no dia-a-dia campeiro, simplesmente contornamos os problemas e seguimos adiante. Há alguns anos, não só as janelas não possuíam grades, toldando a paisagem, como era comum esquecer de fechar a porta da entrada, tão tranqüilos estávamos quanto à segurança pessoal. Hoje, a violência e insegurança obrigam a que se tomem outras medidas para proteção das pessoas e da propriedade. Da mesma forma, sem uma consciente projeção de despesas e receitas o produtor logo se vê obrigado a desistir dos investimentos necessários.

Ao final, o hóspede se disse intrigado pelo fato de pessoas com capacidade e condições de desempenhar tarefas mais amenas persistirem na produção de alimentos, ainda que mal-interpretadas e sem as políticas agrícolas necessárias.É o caso mesmo de se perguntar, mas a resposta deve estar no amor à terra, cultivado através das gerações e regado com perseverança e tenacidade. Sem ele, talvez as ervas daninhas do desânimo e desestímulo já houvessem minado as forças de todos os que persistem, ainda que bem cientes das dificuldades a enfrentar.

3 comentários:

resgato disse...

São poucos os políticos empenhados no fortalecimento da agricultura, tão essencial a nossa sobrevivência, a maioria ainda apoia é o financimento dessa praga de MST, que só faz é destruir.
Na minha humilde opinião, a agricultura deveria ser prioridade nacional.
Por outro lado, eu não suportaria ver assado numa bandeja, um animal com quem eu tenha convivido.
Eu não apoiaria a pecuária.
Quanto ao cheiro do campo, nada mais divino.
Abraços cariocas

Anônimo disse...

Querida Marta!
O campo é o esteio das cidades. Alguém tem duvida?
Ao visitarmos a Zona Rural, nos deparamos com esta realidade maravilhosa! Ainda não entendi o porquê da necessidade de termos que proclamar aos quatro ventos esta verdade...
Beijos

Sergio Grigoletto disse...

Esse Brasil real está nos campos e nas cidades. Esse é o "outro Brasil" que aquele, midiático, encobre. O Brasil real peleia para fazer viver o Brasil floreado nos ternos empoados das cerimônias oficiais.
Temos carnaval na avenida para o mundo ver e gente matando gente logo alí. Temos navios de grãos partindo e gente passando fome logo acolá. Temos leitores ávidos para a vida do faz-de-conta das celebridades e gente fazendo que conta que é celebridade.
Viva o Bazar Brasil. É uma infindável estória da carochinha onde não veremos o fim para que alguém conte outra.