7 de jun. de 2008

Não vale a pena

O dentista falou “Não vale a pena”, quando a cliente de meia-idade manifestou desejo de fazer um tratamento dentário, unicamente por motivos estéticos. Semelhante resposta ouviu o homem, passado dos setenta anos, quando perguntou ao médico sobre os inovadores tratamentos de que ouvira falar. Sem se deixar desanimar, ambos partiram à procura de profissionais com mais sensibilidade para atender aos seus anseios.

A velha, no entanto, quase desistiu de comprar o vestido verde-escuro, quando sentiu sobre si o olhar desestimulador da jovem balconista, como se estivesse a pensar: “Será que vale a pena”? Não fosse o prazer de se olhar ao espelho, talvez passasse a acreditar que, de fato, era ridículo o seu desejo.

Pessoas de mais idade se sentem discriminadas – e realmente o são – quando alguém lhes diz que qualquer coisa não vale a pena, porque na frase parece implícita a sua condição de idosa. E é por essa condição que não vale a pena, segundo o conceito de alguns. O mesmo acontece com gordos, feios e outras categorias costumeiramente discriminadas.

Quando alguém desestimula o ato de fazer isso ou aquilo, decerto imagina que o outro provavelmente terá pouco tempo para usufruir, portanto não precisa se dar ao trabalho, nem deve fazer o gasto. Ou, pior, não valem a pena o esforço e o dinheiro empregado, em relação aos resultados que poderão ser obtidos.

Contudo, o amanhã é sempre imprevisível, tenha o sujeito a idade que tiver – como nos dizem as páginas policiais, nos relatos de crimes e acidentes. Brincalhão, maldoso muitas vezes, o destino não faz as suas escolhas por idade, nem por merecimento. Morrem jovens e até crianças, por pura inconseqüência sua. Assim, quem pode saber o que vale a pena? E como determinar quem terá tempo, saúde e pique para usufruir de qualquer melhoria?

Em geral, a pessoa que discrimina não percebe a crueldade manifesta. Crueldade que, na maioria das vezes, leva a outra _ colocada frente a frente com a sua situação de velha, gorda, feia, pobre ou qualquer outra – a se encolher e desistir, abdicando inclusive de outras coisas que poderiam lhe dar prazer. Num assomo de entusiasmo, considerou a hipótese de um tratamento dentário, um peeling no rosto, uma pílula para revigorá-la ou um regime alimentar capaz de suprimir-lhe dois quilos por semana. A simples perspectiva animou-a ao ponto de começar a atrair as atenções antes de qualquer resultado. Se alguém lança dúvidas sobre a validade do feito, o senso do ridículo é acionado instantaneamente, levando-a a retroceder várias casinhas no jogo de reconquista da auto-estima.

Sempre que alguém se sente estimulado a realizar algo, é certo que vale a pena. Importa menos o resultado final que o empenho em chegar lá.

Enviamos aos outros a mensagem de que temos consciência do nosso valor, quando nos proporcionamos qualquer prazer. Pode ser a rosa no vaso; a mesa arrumada para o almoço a dois; a escolha da comédia para rir sozinho. Pode ser a compra da escada de alumínio, para não precisar pedir ajuda, se a força dos braços diminuiu. Coisas banais, capazes de nos reconciliarem com a figura no espelho. Atitudes que nos tornam parte do espetáculo, por isso valem a pena.

Um comentário:

Anônimo disse...

Marta!
A vida seria muito sem graça se não tivéssemos um objetivo à alcançar, por menor que fosse. Não importa a idade, não importa nada mesmo, o que fica valendo é esta vontade de sempre alcançar mais um pouco, ou aquilo que ainda ficou pendente.
Quem desiste de tudo, lembra as palavras de uma amiga: - Morreu e não sabe...
Beijos