14 de nov. de 2008

Levar a sério


O convite me apanhou de surpresa. “É muita areia para o meu caminhãozinho”, pensei. Por sorte, antes que conseguisse abrir a boca, compreendi que tal resposta seria completamente inadequada. Afinal, o convite era para ocupar uma cadeira na Academia Pelotense de Letras. E, de uma futura acadêmica, no mínimo, se esperaria uma linguagem condizente.

Se alguém lembrara o meu nome para lugar tão importante, não seria eu a contestar. Assim, aceitei.

A princípio, constrangida, por me julgar inadequada, resumi os convites ao menor número possível. Contudo, a Academia merecia ser prestigiada com uma solenidade bem freqüentada. Por isso, aos poucos, conforme os amigos foram sabendo e começaram a se interessar, senti-me à vontade para enviar mais alguns convites.

Uma amiga telefonou: É pra te dizer que fiquei muito orgulhosa – e havia alegria em sua voz.

A jornalista, encarregada de escrever algumas palavras sobre o evento, perguntou o que eu imaginava que o título poderia acrescentar à minha carreira como escritora. Dessa vez, a resposta foi pronta: maior responsabilidade.

Na solenidade, a nova acadêmica devia esperar que o paraninfo fosse buscá-la para introduzi-la no recinto. No corredor contíguo ao salão, isolada do público, ouvia o burburinho animado das conversas. Por elas, dava para perceber que a platéia era grande e estava muito à vontade. Quanto a mim, estava curiosíssima. Nunca tivera oportunidade de assistir à posse de algum acadêmico.

Contudo, quando entrei no salão e olhei aquele mar de rostos amigos, risonhos, se algum medo tinha, desapareceu. Mas, realmente, não havia o que temer. O meu papel se resumia a obedecer aos rituais, devidamente conduzidos pela presidente Zênia de Leon.

O paraninfo era o professor Wallney Hammes, encarregado de fazer a apresentação da minha pessoa. Senti-me gratificada, ao ouvi-lo, por compreender que levara a sério a sua tarefa e pesquisara a obra, a fim de encontrar o ser oculto nas entrelinhas.

Quanto a mim, também tinha uma missão, essa bem mais fácil, pelo farto material com que contava: devia preparar uma tese, para entregar à Academia, sobre Antônio José Gonçalves Chaves, patrono da cadeira 16, que passaria a ocupar. Mais difícil era a segunda parte da tarefa: apresentar, durante a cerimônia da posse, um resumo da tese. A dificuldade era resumir vida tão fascinante, sem lhe roubar as cores.

Passei dias, distraída, lendo livros de páginas esfareladas, nos intervalos roubados às atividades diárias. Encontrei inúmeras discrepâncias nos diferentes relatos, o que me obrigou a procurar fontes mais seguras, descobrindo pesquisadores acostumados a passear pelo passado com a naturalidade de quem vai à padaria da esquina. Tirei dúvidas, aprendi. Conforme me enfronhava na história do patrono, voltava à formação da cidade de Pelotas, aos homens empreendedores e cheios de idealismo que deixaram suas marcas, porque não se omitiram.

Essa é a lição mais significativa que a história tem a ensinar: a não omissão, a coragem de aceitar os desafios. E, ao aceitá-los, levar a sério. Não julgar que se dá importância, tratando com pouco caso coisas que para outros podem ser importantes. Fazer o seu melhor. Depois, sentir-se gratificado com a certeza de que contribuiu na escrita de uma nova página.

Um comentário:

Anônimo disse...

Marta!

Parabéns! Que você desfrute dessa honraria com muita saúde e paz!