13 de jul. de 2009

Minha cidade

Amo esta cidade de ar provinciano, ruas retas e estreitas, caminhos fáceis de seguir e informar, como se quisesse transmitir aos filhos a mensagem de que a vida pode ser simples, basta não complicar.

Amo os prédios centenários, distribuídos por todo canto, com as paredes entranhadas de história. Alguns falam da gente importante que um dia lá viveu. Outros falam de amores escusos, momentos roubados, sonhos não concretizados. Todos guardam sua verdade, fechada a sete chaves, agora enfeitada pela boa vontade dos que vieram depois.

De repente, no meio de uma quadra qualquer, descubro uma casa jamais vista, com suas paredes enfeitadas, as janelas altas, o portão de ferro por onde entravam os carros, puxados por cavalos, a caminho das cocheiras. Reparo nela apenas porque resolveu se enfeitar; como ela, outras se mostram, a cada dia, valorizadas pelo amor dos proprietários.

Amo os velhos teatros, recordações da infância e da juventude, tempo em que foram também cinemas, a longa fila a se estender pelas calçadas, à espera da abertura das portas, sinalizando a hora da nova sessão cinematográfica. Era tal a multidão, na sessão das 20h, aos domingos, que, segundo a voz corrente, se alguém erguesse os pés seria transportado pela turba preocupada em encontrar seus lugares. Muitos sapatos, aliás, foram deixados para trás e jamais recuperados, na confusão dos largos corredores do Guarany.

Amo a Estação Ferroviária, onde ainda ouço o apito do trem avisando a partida. E o Mercado Municipal, com seus cheiros, flores e cores, as galinhas carijós e os coelhinhos brancos, que não sei se ainda lá estão.

Amo a cidade nova que surge dentro da antiga, o comércio fortalecido, as galerias elegantes, novos endereços disputando espaço com os de conhecida competência.
Enternece a visão dos endereços humildes, pontos comerciais improvisados em antigas garages, logo adiante o cartaz anunciando que ali se fornecem refeições caseiras, a preços nada salgados.

Amo o bairro Fragata, com as pessoas sentadas nas calçadas, nas noites de verão, e a avenida fervilhante de alegria, aos finais de semana; o bairro Três Vendas, laborioso e empreendedor, com sua gente discreta, riqueza disfarçada, lindas casas despercebidas em ruas pouco freqüentadas; o bairro Areal, com o Museu da Baronesa, o Obelisco e o Magazine Krauze, por que não?

Amo as vilas da periferia, com suas ruas de terra batida, esburacadas, algumas já beneficiadas com o asfalto, as mulheres conversando nos portões, a menina abraçando a Barbie, o guri puxando o caminhãozinho de lata.
Amo o Laranjal, das figueiras centenárias e do pôr-do-sol sobre a lagoa, recanto de muitos amores.

Orgulho-me do passado de minha cidade, Pelotas, dos homens e mulheres dinâmicos que a construíram, com a força do seu entusiasmo e generosidade. Mas também me orgulho da geração presente, empreendedora e desejosa de quebrar paradigmas. Pronta para fazer a sua história e ultrapassar fronteiras.

5 comentários:

Blog do Simeão disse...

Marta
Tenho notado que as pessoas de cidades menores são mais apegadas ao seu torrão natal.
Em PortoAlegre, é muito comum as pessoas mal conhecerem as outras num edifício. Em elevadores, as pessoas até economizam aquele bom dia ou aquele sorriso que faz bem ao nosso espírito.
Quando viajamos a belas cidades e paramos em hotéis 5 estrelas ou nos enormes navios de luxo: tudo pode ser uma maravilha, mas ao cabo de diversos dias ou algumas semanas, sentimos saudade da nossa casa. Nesse ponto somos como os gatos, que mais se apegam ao lar que aos donos (o oposto dos cães).
Desde os tempos bíblicos somos comparados a um rebanho, onde uma ovelha desgarrada é um problema, e nos sentimos mais seguros sob a tutela de um bom pastor. Toda a família e todo o grupo deve ter um. Na tua, acho que era o seu Pedro e agora acho que és tu. Um dia poderão ser substituidos, mas sempre irão fazer muita falta.
É claro que tem outros líderes: aqueles que entendem da aparelhagem eletrônica, o totozinho de estimação e os netinhos. Em alguns lugares, até a sogra... (será que existe algo assim?).
Nosso lar e nossa cidade é como um porto seguro, onde precisamos prender nossas amarras.
Simeão

Ruthe disse...

Adoro Pelotas. É uma cidade linda, arborizada, simpática, acolhedora. pessoas que vem, aqui, morar por algum tempo, acabam permanecendo por muitos e muitos anos. Algumas choram, copiosamente, quando precisam deixá-la.
Já tivemos convites, para morarmos em outros centros, mas graças a DEUS, isso não aconteceu, pois declinamos do convite,o qual , para alguns, seria imperdível!

Mariângela disse...

Muito lindo o seu depoimento, mas eu não consigo enxergar Pelotas da mesma maneira. Moro fora há 33 anos e a cada volta me dá uma angústia, uma tristeza em ver que tanta coisa poderia ter sido feita para conservar o passado e foi ignorada... As ruas mal calçadas, os patrimônios desandando com a falta de cuidado, o jogo político que evita sanear definitivamente os problemas de enchente ou afim.
Porém este mês tive orgulho em visitar Pelotas e ver a quantidade de recipientes para lixo reciclável distribuída pelas ruas. Isto sim, é exemplo de cidadania.
Foi um alento. Nas próximas idas pretendo ver mais coisas positivas para apagar a má imagem.

Marta disse...

Gostei do seu nome, Gata. Em geral, não entro nos comentários, só na sala de visitas, mas dessa vez não resisti.
Por acaso, a crônica da próxima semana, que acabei neste momento, fala sobre isso. Amar a minha cidade, com suas memórias, não é achá-la a ideal, longe disso, mas compete a cada de um de nós, cidadãos dessa terra, fazer o seu exame de consciência e descobrir se faz o seu papel. Sabe que as lixeiras sofrem constantes ações de vândalos e algumas já precisaram ser trocadas?
Um abraço da Marta

Anônimo disse...

Adorei a crônica e penso como minha amiga escritora, a nossa imortal.
Mas, li todos os comentários e gostei de todos, incluindo o da intervenção da Marta.
Não há dúvida de que os nossos sentimentos não são estáticos, as facetas nossas são muitas e devido a isto, provavelmente, penso que todos estão certíssimos. Beleza, beijos,