6 de ago. de 2011

De repente

Tudo ia às mil maravilhas na vida da neurocientista Jill Bolte Taylor; melhor, impossível. Aos 37 anos, professora na Harvard Medical School, fazia pesquisas sobre o comportamento do cérebro e apresentava em palestras as suas conclusões. Vivia “de maneira grandiosa”, em suas palavras. Até que, de repente (por que sempre há um “de repente” no meio do caminho?), justamente aos 37 anos, ela sofreu uma forma rara de derrame no hemisfério esquerdo do cérebro.

No espaço de quatro horas, enquanto seu “cérebro se deteriorava” _ ainda em suas palavras _ ela acompanhou a perda da capacidade de falar, ler, escrever e armazenar informações. Fiel ao espírito científico, considerou como “derrame de sabedoria” a oportunidade de acompanhar em si mesma as reações observadas em anos de estudo, algumas _ como a demora em buscar ajuda _ pouco compreendidas até então. Aliás, a leitura do capítulo "Manhã do derrame" pode ajudar a entender muitos relatos de pessoas que passaram por essa experiência.

Mais tarde, durante o intenso trabalho de recuperação, observou o comportamento de diferentes colegas médicos e do pessoal da enfermagem, alguns lhe trazendo paz, transmitindo confiança, enquanto outros causavam angústia e mal-estar. Na condição de paciente, percebeu a sua suscetibilidade à linguagem não verbal daqueles encarregados de atendê-la, a energia drenada por alguns, a falta do contato visual por parte de outros, que a tratavam de modo desinteressado, apenas cumprindo tarefas (esse capítulo deveria ser lido por todos que escolhem como profissão essa área da saúde, para se conscientizarem do bem ou mal que podem causar).


Também importante, para todos que convivem com alguém nessas condições: com o centro da linguagem afetado, impossibilitada de se comunicar, detestava o constrangimento de alguns, ao se acercarem, mas apreciava sobremaneira que lhe tocassem a mão e falassem em voz baixa e pausada, contando coisas (nesse ponto, cabe um Mea Culpa, pois esse tal constrangimento já me ocorreu muitas vezes, por pura ignorância).

Após a recuperação total, Jill voltou à sala de aula, às pesquisas, palestras e trabalho voluntário. No livro “A cientista que curou seu próprio cérebro”, ela conta suas experiências desde a manhã em que sofreu o derrame cerebral até a recuperação, impressionada com “a beleza e resistência do cérebro humano”.

A amiga falou no livro e, diante do meu interesse, presenteou-me com um exemplar. Levei alguns dias até telefonar para dizer o quanto o apreciara; tempo suficiente para deixá-la receosa de ter “pisado na bola”, levando-me a pensar em situações desagradáveis. Contudo, é mais que tempo de aproveitar o que a modernidade nos proporciona em acesso à informação sobre os mais diversos assuntos para entendermos melhor o nosso próprio funcionamento. É mais que hora de perdermos o medo de encarar a verdade de que tudo pode acontecer, a qualquer momento, e o fato de saber disso não vai “atrair o azar”. Ao contrário, justamente o conhecimento de certas situações pode ser a forma de evitá-las.

Por isso, “A cientista que curou seu próprio cérebro” é leitura aconselhável para pessoas não impressionáveis. Impressionáveis são aquelas que lêem as indicações, na bula do remédio, e já começam a sentir os sintomas. Não impressionáveis são as que procuram estar atentas às informações fornecidas pelo seu corpo, mesmo sem esperar nada de ruim, apenas pela compreensão de que tudo pode ocorrer, quando menos se espera, e o prevenido leva vantagem na recuperação.

Principalmente, a leitura é importante no sentido de conscientizar da situação do outro, que continua um ser inteligente, perspicaz e necessitado de carinho, atenção e contato físico. Coisas que às vezes a gente esquece.

Um comentário:

Ruthe Nudilemom Peters disse...

Esta crônica é maravilhosa!Quanta coisa não sabemos de nosso corpo!
Beijos