2 de set. de 2011

Muito antes da internet



Em crônica anterior, comecei a contar sobre a vida na Fazenda da Figueira, como recém-casada. Antes da chegada da rede elétrica, da telefonia e das estradas asfaltadas ao Município de Pedro Osório, onde fica a propriedade. Muito antes da internet, com certeza. Quando os dias eram longos e sobrava tempo para pensar, brincar, amar, inventar. Por isso, enquanto o marido se dedicava às suas atividades, nas pastagens e na oficina de máquinas, eu aprendia e me divertia, descobrindo os macetes da vida de uma dona de casa, no meio rural.

Naquela época, década de 1970, a ordem era utilizar ao máximo todos os recursos disponíveis. Incentivada pela sogra, eu criava galinhas, adquirindo pintos de um dia, na Escola Agrotécnica, ou colocando os ovos na chocadeira, o que proporcionava o encantamento de ver os pintinhos furando os ovos, no milagre da vida. Para facilitar o trabalho, que seria o mesmo, independente da quantidade, já que precisaria mantê-los aquecidos e alimentados, fossem um ou mais, comprava 100 pintos por vez. Daí, logicamente, a produção de ovos era enorme. Por mais que consumíssemos, nós e a cozinha dos funcionários, os ovos se acumulavam, até eu poder vir à cidade e presentear os familiares. Problema que foi resolvido com a descoberta de que submergi-los em cal era excelente método de conservação.

Com a fartura de ovos, eu ia para a cozinha e aprendia a preparar cremes, pudins, bolos e bolachinhas. Na cozinha, imperava o fogão a lenha, cuja chapa precisava ser limpa, diariamente, com uma lixa fina, e cujo calor eu tinha grande dificuldade em conservar _ por isso, na primeira vez em que fiquei sem cozinheira, fui presenteada com um fogão a gás, acessório inusitado no campo, então.



Nesse ímpeto de produção, o leite obtido pela ordenha das quatro vacas holandesas era desnatado, diariamente, com o auxílio de uma desnatadeira manual, o que se transformava em bom exercício para os braços, pelo movimento de rotação da manivela, durante os 60 minutos empregados no processo. A nata era conservada na geladeira a querosene até atingir a quantidade adequada para fazer manteiga, quando seria batida à mão, numa tigela, com a colher de pau. Também poderia ser aprontada na batedeira elétrica, mas isso teria que ser à noite, quando o gerador estivesse ligado, e naquela hora a preferência era por sossego.

O requeijão, receita da mamãe, também era muito apreciado, quando havia fartura de leite, embora o resultado final variasse do ótimo ao sofrível, sabe-se lá a razão.
Ainda na mesma idéia de aproveitar todos os recursos, com a graxa bovina, acrescida de soda cáustica e breu, mensalmente eram preparados vários quilos de sabão, que, colocados em caixas de madeira e cortados em retângulos, depois de fria a massa, eram usados para lavar a roupa e para a limpeza da casa. O sabão era feito ao ar livre, num grande tacho de cobre, sobre um fogo de chão.

Nas noites de verão, no alpendre, sob o céu estrelado, sogro e sogra lembravam o início de sua vida, na Fazenda. “Hoje tudo é muito fácil”, dizia ela, mostrando a máquina de costura portátil, onde embainhara as fraldas para os filhos, por não haver fraldas prontas, naquela época. “A roupa era lavada na sanga”, continuava, antes da instalação da caixa d´agua, abastecida pela bomba acionada por um primitivo motor a gasolina.

A Fazenda da Figueira, parte da estância adquirida, em hasta pública, na cidade de Jaguarão, em outubro de 1868, pelos irmãos Possidônio e Felisberto Mâncio da Cunha, permanece na família, desde então (contam que Possidônio, com procuração de Felisberto para efetuar a compra em nome dos dois, percorreu a galope a distância entre Pelotas e Jaguarão, trocando de cavalo, conforme aquele cansava, a fim de não perder a oportunidade do negócio). Pelo casamento, tornei-me parte dessa história. Mas as vivências que conto pertencem a todas as mulheres que, como eu, descobriram motivação e prazer na vida no campo.

2 comentários:

Ruthe disse...

Que vida saudável, apesar de não possuir os confortos atuais, houve uma grande compensação, acredito,pois chego a sentir o ar puro, o perfume dos campos , o calor do Sol, através ddesta Crônica!

Anônimo disse...

Adorei tua crônica, lembrando do nos contava minha mãe....bjao Lulu